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High-tech
Victória, de 8 anos, está de olho no celular da
mãe, que tem mais funções que o dela |
Nos anos 70, as meninas adoravam bonecas e panelinhas. Os
meninos,
futebol e jogo de botão. Trinta anos e muitas tecnologias
depois,
garotos e garotas ainda curtem os brinquedos que animaram a
infância de
seus pais, mas querem mesmo é CD-Rom, celular, Internet,
videogames
on-line, MP3, DVD portátil, câmera digital, filmadora com
máquina
fotográfica, Messenger, Xbox, PSP, memory card, web camera. Um
amontoado de letras para os adultos, os imigrantes digitais, mas um
vocabulário permanente entre as crianças, os nativos. Os
termos
cunhados pelo educador norte-americano Marc Prensky escancararam o
fosso tecnológico entre adultos e crianças. Elas
são fluentes. Não lêem
manual. Nós, temos sotaque. Gostamos de e-mail e de imprimir
e-mails. A
criançada age com naturalidade entre hardwares e softwares
porque tem
acesso a eles cada vez mais cedo. Segundo levantamento da Current
Population Survey (CPS) para o Departamento Americano de
Educação, em
2003 67% das crianças americanas entre 3 e 5 anos usavam
computador na
escola e 23%, Internet. No pré, eram 80% no PC e 32% na rede
mundial de
computadores. Quando entram na primeira série, 91% estão
teclando e
51%, conectados. No Brasil, não é diferente. Dados do
Ibope
Inteligência sobre o uso da Internet no país mostram que o
número de
usuários menores de 11 anos subiu acima da média.
Enquanto, o número
total de internautas cresceu cerca de 12,5% (de 10,8 milhões em
dezembro de 2004 para 12,2 milhões, no ano seguinte), o de
usuários
entre 6 e 11 anos aumentou 29%, no mesmo período. 'De 871 mil
foi para
1,1 milhão', explica José Calazans, analista de Internet
do Ibope
Inteligência. Segundo o instituto, 6% das crianças
brasileiras nessa
idade estão plugadas.
Primeiro celular
O interesse por celular também chama a atenção.
Pesquisa com pais das
classes A, B e C, do Rio e de São Paulo, sobre o uso do telefone
móvel
entre 6 e 9 anos, mostra que 25% das crianças já possuem
o aparelho.
Indicou ainda que 30% dos pais com filhos entre 6 e 15 anos têm
intenção de presentear os herdeiros com um aparelho. 'O
índice
surpreendeu. É muito próximo ao de países
asiáticos onde a tecnologia
móvel está mais avançada', diz Ricardo Trindade,
diretor da TNS
InterScience, empresa que realizou o levantamento. No Japão, 41%
das
crianças com mais de 6 anos têm um celular. Nas Filipinas,
43%. Lá elas
têm aparelhos com design e funcionamento diferenciados. Com menos
teclas, eles permitem fazer ligações predeterminadas
pelos pais. A Walt
Disney lançou um modelo desses na China no ano passado e pensa
em
trazê-lo para cá. 'É a cyberinfância', afirma
Leni Vieira Dornelles,
doutora em educação, professora de Educação
da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS) e autora do livro Infâncias Que
Nos Escapam - Da Criança na Rua à Criança Cyber
(Editora Vozes). Aos poucos, as empresas investem nos novos
usuários. A
Microsoft, por exemplo, tem produzido softwares mais simples. 'Sabemos
que as crianças também vão ao computador.
Não dá para o acesso ser
difícil. Temos de simplificar o uso para que elas possam criar',
alega
Ana Teresa Ralston, gerente de programa educacional da Microsoft
Brasil. A gigante Disney planeja ainda colocar nas lojas, no Dia das
Crianças, produtos como DVD e toca-CD portáteis,
câmeras digitais e
aparelhos parecidos com toca-MP3. 'Enxergamos essas mídias como
um
complemento ao estilo de vida da criança, que mudou', diz
Cristina
Alvares, diretora de licenciamento da Walt Disney. Afinal, boa parte
dos nativos digitais urbanos não brinca na rua.
11h foi o tempo que brasileiros entre
2 e 11 anos ficaram no micro em dezembro
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Felipe, de 2 anos e 10 meses, sempre
pede para “trabalhar no computador” quando vê a mãe,
Adriana, mexendo na máquina |
Quando dar?
Mesmo sabendo do inevitável contato com esses brinquedos no
dia-a-dia,
os pais ficam inseguros. Quando dar? O que dar? Quanto essas
tecnologias devem ocupar de espaço na vida dos pequenos?
'É claro que a
gente pensa se está adiantando etapas, mas como resistir?',
questiona-se Marlene Bolosuavel, mãe de Felipe, de 7 anos, que
no ano
passado comprou com o próprio dinheiro o Game Boy Advanced,
último
lançamento da Nintendo. É o segundo game portátil
do garoto, que também
tem um Play Station. 'Não existe mais o não dar. A
discussão é saber
quando oferecer. Computador, videogame, celular são novos
brinquedos
que fazem parte da infância', diz Andrea Jotta Nolf,
psicóloga
especializada em criança e Internet do Núcleo de
Pesquisas em
Psicologia e Informática (NPPI), da PUC-SP.
Para sintonizar os pais, ela alerta de que o perigo do
computador
não está nele. 'Mas na falta do resto. De lazer, esporte,
cultura, na
falta de tempo, paciência, atenção dos pais.
É a falta de vontade - e
de tempo - dos pais que transforma o mundo virtual em algo mais
prazeroso e divertido que o mundo presencial', explica Andrea.
Não se
pode abandonar os filhos na frente de um computador, do videogame ou da
TV. De fato, sem controle as crianças podem gastar horas a fio
em
frente do computador. 'Elas não costumam se cansar', diz Leni
Dornelles. Cabe aos pais cuidar da agenda dos filhos pequenos, incluir
atividades físicas e jamais deixar o filho perder o contato
'olho no
olho' com o amigo (não vale se for por uma web camera).
'É frente a
frente, no contato físico que as diferenças são
resolvidas. Aprende-se
a argumentar, a sustentar a defesa. Descobre-se que o mundo não
é só
tecnologia', alerta a professora de educação.
Interesses pessoais
Impor limites nessa constelação digital é uma arte
sem fórmula pronta.
Cada família tem seu perfil, seus interesses e determina o seu
tempo.
Se, para você, ficar duas horas no computador está tudo
bem, então não
há crise. Na casa de Lucas Campos, de 9 anos, os pais tentam
impor
certo controle. 'Às vezes, meu pai coloca senha no computador
para eu
não ficar tentado a jogar em vez de estudar', revela o garoto,
que tem
dois computadores, um deles conectado em rede com o do pai, além
de
filmadora, web camera e celular. Ganhou de Natal um PSP (Play Station
Portátil) e um laptop. Com tanta tecnologia à
disposição, o parâmetro
de controle de sua família pode parecer mais maleável do
que em outras
casas. 'Tento deixar duas horas de jogo por dia. Às vezes ele
não
cumpre, mas não me estresso. O Lucas é tranqüilo,
não deixa de fazer
outras atividades, de nadar, de ficar com os amigos, não
é um viciado',
conta Adriana, que prefere ensiná-lo a dosar o tempo do que
cortar o
acesso completamente. Segundo Raquel Caruso, do Centro de Aprendizagem
e Desenvolvimento (CAD), em São Paulo, proibir totalmente ou
tirar não
é a melhor solução. 'O exagero na
proibição deixa a criança ansiosa.
Além disso, os jovens vão precisar muito e por muitos
anos da
tecnologia', diz.
Estabelecer uma idade mínima de uso para a maioria
dessas
tecnologias não é tarefa simples. 'Certamente os pais
não desejam que
os filhos vejam imagens chocantes no computador, mas estabelecer uma
idade mínima para usarem a Internet pode impedir que eles
façam
pesquisas escolares ou se conectem com os amigos. O celular pode ser um
grande tomador de tempo para os adolescentes, mas também costuma
ser
valioso em situações de emergência', pondera Mark
McClusky, editor de
produtos da revista americana Wired, especializada em tecnologia.
Especialistas brasileiros concordam. Porém, fazem ressalvas. 'Os
pais
não podem exigir que o filho saiba mexer antes do tempo. Tudo
isso é
lazer, diversão, passatempo para as crianças', diz
Adriana Kury,
diretora da Escola Santo Inácio, em São Paulo, onde
alunos a partir dos
3 anos começam a ter contato com tecnologia e já chegam
à escola
sabendo o que é mouse de tão acostumados com o
vocabulário digital
ouvido em casa. Como o filho de Adriana, Felipe, de 2 anos e 10 meses,
que quando a vê trabalhando no computador pede: 'Mamãe,
também quero
trabalhar no computador'.
A seguir, você vai ler um guia de como as
crianças podem aproveitar
melhor essas novas tecnologias, que não param de produzir
novidades. A
empresa americana Apple, por exemplo, anunciou um iBaby, o toca- MP3
que pode ser preso em carrinhos de bebês para quem for
empurrá-lo poder
escutar. Adriana Kury alerta: 'Antes dos 2 anos, a criança
precisa de
experiências sensoriais, da terra, da água, da planta, do
vento, de
livros, de interagir com amigos e principalmente com os pais'. O
contato físico vai ensinar a ela muito mais do que qualquer
máquina. E
Raquel Caruso lembra: 'O acesso de toda criança até 9
anos ao
computador precisa ser acompanhado por um adulto. Elas ainda são
ingênuas'. Feitas as ressalvas, é só cair na rede.
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Lucas, de 10 anos, diverte-se em
disputas de jogos on-line com o pai, dentro de casa |
De 2 a 3 anos
Nessa idade, os pais podem no máximo apresentar o computador ao
filho, navegar na Internet com ele no colo. As crianças gostam,
olham
excitadas a tela colorida, querem pegar no mouse, castigar o teclado.
Mas ainda não têm coordenação motora.
Crianças pequenas adoram ver
coisas acontecer e o computador faz isso. Nessa fase, elas se divertem
olhando imagens de desenhos, bicho e de fotos delas próprias,
como
Felipe, filho de Adriana Kury. Brincam e exploram como se fosse
qualquer brinquedo. Se ficar sozinha na frente da tela, a
criança vai
no máximo destruir os botões ou dar um 'boot' na
máquina de tanto
apertar o botão de liga e desliga.
De 3 a 4 anos
Elas já fazem relações de movimento. Adoram sites
com músicas
conhecidas, rimas, histórias e com personagens favoritos.
'Apesar de
ser uma brincadeira, de mexerem por mexerem, sem o objetivo de
ganharem, elas começam a estabelecer relações de
causa e efeito',
explica Leni. CD-Roms que possibilitam brincar de pintar divertem.
De 4 a 5 anos
'A partir dessa fase, a criança já tem um outro
nível de pensamento, um
pouquinho mais concreto', lembra Leni. Ela começa a perceber que
se
apertar um botão algo acontece na tela. Tem uma
noção precária de
conseqüência, mas a coordenação está
melhor. Já consegue clicar no lado
certo do mouse. CD-Roms de jogos que fazem relações de
causa e efeito,
da memória, além de sites educativos (como os da Turma da
Mônica) e de
personagens (como os da Barbie), começam a fazer sentido,
são bem
aproveitados pelas crianças. O videogame pode começar a
fazer sentido.
Mas a coordenação motora ainda impede que a
criança seja bem-sucedida.
Os pais podem ter dificuldade em encontrar games adequados para a
idade. 'Melhor esperar', diz Andrea.
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Felipe, de 7 anos, comprou o Game Boy
mais moderno, o terceiro videogame do garoto, com o próprio
dinheiro |
De 5 a 6 anos
É provável que a criança esteja lendo e, com isso,
o nível de
pensamento dá um salto. Nos jogos em computador, quer acertar
porque
agora entende que só assim vai avançar no jogo.
Prepare-se porque os
pedidos por um videogame podem ser mais persistentes. Ela entende o
mecanismo e a pressão dos colegas também começa a
influenciar. Muitos
jogos, porém, são complexos. Ainda não é
fácil encontrar um jogo
adequado para essa faixa etária. Por isso, é preciso ter
critério na
escolha para não frustrar. Um bom exemplo são os jogos da
Nintendo,
como os do Mario Bros.
70%
das crianças americanas com mais de
2 anos têm videogame em casa
De 6 a 8 anos
Alfabetizadas, elas já sabem fazer busca na Internet para os
trabalhos
de escola. 'Conseguem unir a vontade de saber com a capacidade de
descobrir onde procurar', explica Leni. Nesse período, os pais
devem
ficar mais atentos. Não podem deixar a navegação
por conta da criança,
mesmo sob protestos. A educação digital se torna mais
efetiva. Alertas
sobre os perigos de vírus e controle de tempo devem ser
persistentes. É
hora de ficar de olho também nos polêmicos games
violentos. Faça
ligações entre o mundo real e o virtual nas brincadeiras.
Primeiro,
deixe a criança brincar de vestir a boneca e depois incentive a
repetir
a brincadeira com uma boneca real. Começam as
solicitações por celular.
'Se estão alfabetizadas e sabem cuidar dos brinquedos,
não vejo por que
não dar', defende a educadora gaúcha. Victória
Rodrigues ganhou o dela
de presente de formatura no pré-primário. Um
pré-pago com R$ 100 de
crédito. 'Decidi atender ao pedido e avaliei que ela poderia
conversar
comigo quando quisesse', explica a mãe, Andrea Rodrigues.
Victória,
hoje com 8 anos, está de olho no aparelho da mãe, que
tira fotos e
filma. Para os pais que desejam presentear, avalie o perfil do filho.
Pergunte por que ele deseja e questione-se se ele não vai perder
o
aparelho. Escolha um modelo simples com créditos
pré-pagos. Cuidado com
a dependência que pode impedir a organização. Se o
filho esquece o
trabalho da escola, não deve ligar para a mãe pedindo
socorro. Impor
regras de uso é necessário. Não pode dar o
número para todo mundo.
Ligar só para mamãe, papai, avós, tio e um amigo,
além do 190, em uma
emergência. A psicóloga Andrea tem opinião
diferente. Criança só deve
ter celular quando começa a sair sozinha, período em que
tem maturidade
para navegar sozinha na Internet. 'Nos EUA, as crianças
vão sozinhas,
de ônibus, para a escola a partir dos 6, 7 anos. Faz sentido
terem.
Aqui, não. Se a mãe precisa falar com o filho, liga no
celular da avó,
da babá', diz Andrea. E, vale lembrar, o telefone fixo, de casa,
ainda
funciona e deve ser o principal meio de contato com os amigos.
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Maria Victória, de 10 anos,
dança sozinha pela casa com o iPod. |
De 8 a 10 anos
A criança descobre que o computador também pode aproximar
pessoas
que estão distantes, que será útil na conversa com
amigos ou parentes
que moram longe. Descobre também os jogos on-line, os downloads
de
músicas, as mensagens instantâneas. Então,
além de ser um brinquedo e
instrumento de aprendizagem, ele liga as crianças ao mundo, aos
amigos,
aos pais. Habituada ao videogame, a criança já pode ter
uma máquina
fotográfica digital, uma filmadora ou um MP3. 'Já
entendem os
mecanismos, a utilidade e também os riscos', explica Leni. Esse
é o
cuidado que Maria Victória, de 10 anos, tem. Ela ganhou um iPod
no ano
passado, que segundo a mãe, Andrea Horta, faz parte até
do vestuário da
menina. 'Levo para todo lugar. Na escola, quando preciso deixar na
mochila, uso cadeado porque já me roubaram um celular', diz a
garota.
Como a maioria das crianças de sua idade, Maria Victória
não leu o
manual do aparelho. Se vira como pode no inglês. Nas
dificuldades, pede
ajuda. Se há 30 anos, os pais implicavam com o som alto da
vitrola,
hoje não sabem o que vai no ouvido da garotada. Victória
curte na
intimidade de seu iPod, entre outros, a funkeira carioca Tati
Quebra-Barraco (transa, na gíria funk).
Novas relações
As novas tecnologias têm transformado até a forma como as
pessoas se
relacionam. Pais separados, por exemplo, têm recorrido ao
aparelho para
ter mais liberdade em falar com o filho e evitar contato com o ex. As
relações familiares sob o mesmo teto também
estão mudando.
“Antigamente, papai ‘sabia tudo’. Hoje, quem detém esse
conhecimento
universal é o Google”, diz Andrea Nolf, da PUC-SP. Os pais
não podem
cair na armadilha de ficar enciumados e sofrer porque o filho dá
mais
crédito ao que vai escrito na tecla. “As
negociações entre adultos,
filhos e amigos estão sendo redesenhadas, sem que ainda se saiba
se
isso é bom ou ruim.”
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