Saberes históricos e mediação de saberes nos estágios docentes

Carla Beatriz Meinerz
Professora da FACED/UFRGS

Pensamos o ensino de história como um processo de mediação didática que acontece no espaço escolar, território em que diversos saberes e culturas entrecruzam-se diariamente, nem sempre se encontrando ou dialogando entre si.

Utilizamos o termo mediação didática a partir dos aportes propostos por Lopes (1997), pois compreendemos nele um reconhecimento do saber escolar como um outro saber, em nada menor do que aquele produzido pelo saber científico, tampouco melhor do que o que se constitui como saber popular. Esse debate está conectado com um entendimento do conceito de cultura que concebe diferentes maneiras de agir e de pensar presentes na dinâmica das relações sociais, evitando classificações valorativas e buscando olhares atentos e abertos à diversidade. Propõe mais do que transpor conhecimentos de um espaço acadêmico para um espaço escolar, ao contrário, intenta a possibilidade da construção de fluxos e trocas, fronteiras que se desconstroem, saberes que se problematizam num processo de qualificação coletiva.

Lopes utiliza o termo mediação didática como “um processo de constituição de uma realidade através de mediações contraditórias, de relações complexas, não imediatas, com um profundo senso de dialogia” (1996, p. 106). O diálogo entre diferentes saberes é uma característica fundamental da prática docente e torna o professor um autor de sua própria trajetória, um construtor de conhecimentos diferenciados.

Os professores de história, atuantes ou em formação, estabelecem relações com os saberes que ensinam, na medida em que dominam e produzem conhecimentos, em diferentes graduações de autonomia e imbricados no contexto dos limites e possibilidades da cultura escolar que integram. Entendemos que o saber escolar tem um estatuto próprio. Quando falamos em saber escolar propomos, baseados em Monteiro (2007), uma categoria que

designa um conhecimento com configuração cognitiva própria, relacionado mas diferente do saber científico de referência, e que é criado a partir das necessidades e injunções do processo educativo,
envolvendo questões relativas à transposição didática e às mediações entre conhecimento científico e conhecimento cotidiano, bem como às dimensões histórica e sociocultural numa perspectiva pluralista. (2007, p. 14)

A cultura escolar constitui-se da organização dos tempos e espaços praticados pela comunidade que a incorpora. Alunos, professores, funcionários e pais vivem as exigências de rituais com horários, conteúdos e regramentos consolidados. Ao mesmo tempo local de trabalho para uns e obrigação de estudo para outros, a escola também é espaço de socialização para tantos. Viver seu cotidiano e pensá-la criticamente é saudável, assim como pensar o conhecimento histórico nas especificidades desse contexto é fundamental. As especificidades do ensino de história são muitas. Lidamos com conhecimentos que por vezes são partilhados no imaginário social, portanto as representações que construímos na escola se confrontam com outras trazidas pelos jovens alunos, advindas de suas experiências religiosas e políticas, por exemplo, e fortemente marcadas pela oferta das temáticas humanas na mídia ou na internet. Trazer um conhecimento que faça diferença, que problematize sem desrespeitar é desafio nosso. Ao mesmo tempo trabalhamos com conceitos abstratos, polissêmicos, complexos, em geral pouco conectados com os anseios do tempo presente ou do imediatismo próprio das novas gerações.

O ofício do historiador é, de alguma forma, debruçar-se sobre os vestígios de tempos idos, retirando-lhes elementos para reconstruir e reorganizar o passado em narrativas de fatos ou processos sobre homens e mulheres em ação ao longo dos tempos. Saber uma seqüência de fatos não é pensar a história, porém ao tratarmos os fatos do passado a partir de diferentes fontes, podemos transformá-los em “n” novos objetos de conhecimento.

Propomos aqui pensar os vídeos como uma fonte capaz de transformar fatos e conceitos da história em objetos de conhecimento. Os vídeos aqui produzidos são representantes de possibilidades de mediação didática, de construção de saberes no campo da história. Eles foram produzidos interativamente por estudantes de história, professores em formação, na relação com suas práticas nos estágios docentes. Destacamos sua autoria, os elementos que os compõem e as suas intencionalidades como fontes para a construção dos saberes históricos ali apresentados. Vivemos assim possibilidades de mediação didática no ensino de história a partir das teorias e metodologias próprias desse conhecimento.




Referências bibliográficas:

LOPES, Alice Casimiro R. Conhecimento escolar: processos de seleção cultural e mediação didática. Educação & Realidade, 22 (1):95-112. Jan-ju.1997.

MONTEIRO, Ana Maria F. C. Professores de história: entre saberes e práticas. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007.