Não há verdades novas nesse livro, mas ele consiste em um esforço para impressionar e familiarizar a mente com alguns dos mais modernos desenvolvimentos do pensamento. Umas poucas sentenças de Kant, umas poucas ideias fundamentais de Gauss e Lobatschewski formam o material a partir do qual ele é construído.
Pode-se pensar que ele é desnecessariamente longo; mas deve ser lembrado que nesses tempos há um processo duplo em andamento – um de descoberta sobre a natureza externa, um de educação, por meio do qual nossas mentes são colocadas em harmonia com aquilo que conhecemos. Em certos aspectos achamo-nos nós mesmos conduzidos pela corrente geral de ideias – sentimos que a matéria é permanente e não pode ser aniquilada, e é quase um axioma em nossas mentes que a energia é persistente, e que todas as suas transformações permanecem as mesmas em quantidade. Mas há outras direções nas quais se necessita de um treinamento definido, se quisermos adentrar no pensamento da época.
E me parece que um retorno a Kant, o criador da filosofia moderna, é a primeira condição. Agora, da enorme obra de Kant, apenas uma pequena parcela é tratada aqui, mas com a diferença que deve ser encontrada entre a obra de um mestre e aquela de um seguidor. As afirmações de Kant são tomadas como ideias fundamentais, que sugerem um campo de trabalho, e é em detalhe e manipulação meramente que há uma oportunidade para acabamento.
Da doutrina de Kant, é apenas sua doutrina do espaço que é aqui experimentada. Com Kant a percepção das coisas como estando no espaço não é tratada do modo que pareceria óbvio. Devemos naturalmente dizer que há espaço, e que há coisas nele. A partir de uma comparação daquelas propriedades que são comuns a todas as coisas obtemos as propriedades do espaço. Mas Kant diz que esta propriedade de estar no espaço não é tanto uma qualidade de qualquer objeto definido, como os meios pelos quais obtemos uma apreensão de objetos definíveis – é a condição de nosso trabalho mental.
Do modo como a doutrina de Kant é usualmente comentada, o lado negativo é trazido à proeminência, o lado positivo é negligenciado. Diz-se em geral que a mente não pode perceber as coisas nelas mesmas, mas pode apenas apreendê-las sujeitas a condições espaciais. E deste modo as condições espaciais são, por assim dizer, consideradas algo à luz dos obstáculos, por meio dos quais somos impedidos de ver o que os objetos verdadeiramente são em si mesmos. Mas se tomamos a afirmação simplesmente como ela é – que apreendemos por meio do espaço – então é igualmente permitido considerar nosso sentido de espaço como um meio positivo através do qual a mente apreende sua experiência.
Há nos tantos livros em que o assunto é tratado um certo ar de melancolia – como se essa apreensão do espaço fosse uma espécie de véu que nos afasta da natureza. Mas não é necessário adotar esse sentimento. O primeiro postulado deste livro é um completo reconhecimento do fato de que é por meio do espaço que apreendemos o que existe. O espaço é o instrumento da mente.
E aqui para os propósitos de nossa obra podemos evitar toda a discussão metafísica. Com muita frequência uma afirmação que parece ser muito profunda e abstrusa e difícil de compreender, é simplesmente a forma através da qual pensadores profundos lançaram uma observação muito simples e prática. E por agora olhemos para a grande doutrina de Kant sobre o espaço a partir de um ponto de vista prático, e chegaremos a isso – é importante desenvolver o sentido de espaço, pois é por meio dele que pensamos sobre coisas reais.
Há uma doutrina muito bem aceita pelos primeiros seguidores de Kant, que também nos oferece uma simples e prática regra de trabalho. Foi considerado por Fichte que todo o mundo exterior era simplesmente uma projeção do ego, e que as várias formas da natureza eram um reconhecimento por parte do espírito de si mesmo. O que surge como uma regra prática é que podemos apenas compreender a natureza em virtude de nossa própria atividade; que não há algo como mera observação passiva, mas que cada ato de visão e pensamento é em si mesmo uma atividade.
Agora, de acordo com Kant o sentido de espaço, ou a intuição de espaço, é o mais fundamental poder da mente. Mas não encontro em parte alguma uma educação do sentido de espaço sistemática e completa. Em cada empreendimento prático ele é requerido – em alguns é desenvolvido. Na geometria é usado; mas a grande razão do fracasso na educação é que, ao invés de um treinamento sistemático do sentido de espaço, deixa-se que seja organizado por acidente e é chamado a agir sem ter sido formado. De acordo com Kant e de acordo com a experiência comum irá se constatar que um pensador treinado é aquele em que o sentido de espaço foi bem desenvolvido.
No que diz respeito à educação do sentido de espaço, devo pedir a indulgência do leitor. Pareceria óbvio para ele que qualquer empreendimento real ou observação real treine o sentido de espaço, e que seria desviar do caminho levar adiante qualquer disciplina especial. A isso responderia que, de acordo com minha própria experiência, eu mesmo era perfeitamente ignorante acerca das relações espaciais antes de realmente trabalhar com o tema, e que toda uma série de concepções obtidas diretamente após uma visão verdadeira dos fatos espaciais, que antes eu havia conhecido meramente por reputação e apreendido com erforço, tornaram-se perfeitamente simples e claras para mim.
Além do mais, tomemos um exemplo: ao estudar as relações de espaço sempre temos de lidar com objetos coloridos, sempre temos o sentido de peso; como as coisas em si não têm peso, sempre há uma direção para cima e para baixo – que implica o sentido de peso, e se livrar desses elementos requer cuidadosa mudança. Mas talvez o melhor ponto de vista a assumir seja este – se o leitor tem o sentido de espaço bem desenvolvido ele não terá dificuldade em passar pela parte do livro relacionada a isso, e a fraseologia irá servir a ele para as considerações que vem a seguir.
Entre os seguidores de Kant, aqueles que perseguem uma das linhas de pensamento em seus trabalhos têm atraído a maior parte da atenção e têm sido considerados como seus sucessores. Fichte, Schelling, Hegel desenvolveram certas tendências e escreveram livros notáveis. Mas os verdadeiros sucessores de Kant são Gauss e Lobatchewski.
Pois se nossa intuição de espaço é o meio através do qual apreendemos, então sucede que pode haver diferentes tipos de intuição do espaço. Quem pode dizer o que é a intuição de espaço absoluta? Essa intuição do espaço deve ser colorida, por assim dizer, pelas condições do ser que a usa.
Agora, depois de Kant haver estabelecido sua doutrina do espaço, era importante investigar o quanto de nossa intuição de espaço era devido à experiência – é uma questão das circunstâncias físicas do ser pensante – e o quanto é puro ato da mente.
O único modo de investigar isso é o modo prático, e por meio de uma notável análise os grandes geômetras acima mencionados mostraram que o espaço não é limitado como a experiência comum poderia parecer nos informar, mas que nós somos bastante capazes de conceber diferentes tipos de espaço.
Nosso espaço, tal como o pensamos ordinariamente, é concebido como limitado – não em extensão, mas em um certo modo que pode apenas ser percebido quando pensamos sobre nossas maneiras de medir objetos espaciais. Constata-se que há apenas três direções independentes por meio das quais um corpo pode ser medido – ele deve ter altura, cumprimento e largura, mas não tem mais de três dimensões. Se qualquer outra medição for feita, será constatado que essa nova medição será composta pelas velhas medições. É impossível pensar em um ponto no corpo ao qual não se possa chegar pela circulação nas combinações das três direções já tomadas.
Mas por que o espaço deveria ser limitado a essas três direções independentes?
Os geômetras constataram que não há razão pela qual os corpos devam ser assim limitados.
Na realidade, todos os corpos que podemos medir são assim limitados. Então chegamos a essa conclusão, a de que o espaço que usamos para conceber objetos comuns no mundo é limitado a três dimensões. Mas pode ser possível, pois, que haja seres vivendo em um mundo tal que pudessem conceber um espaço de quatro dimensões. Tudo o que podemos dizer sobre tal suposição é que isso não é exigido por nossa experiência. Pode ser que no muito grande ou no muito diminuto uma quarta dimensão do espaço seja postulada para dar conta das partes – mas no que diz respeito a objetos de magnitudes comuns, certamente não estamos em um mundo quadridimensional.
E esse era o ponto a partir do qual, há dez anos atrás, comecei a investigar.
É possível dizer muito mais sobre o espaço das dimensões superiores do que sobre o nosso próprio, e desenvolver analiticamente muitos problemas que sugerem a si mesmos. Mas podemos conceber o espaço quadridimensional do mesmo modo que podemos conceber nosso próprio espaço? Podemos pensar em um corpo em quatro dimensões como uma unidade que tenha propriedades do mesmo modo como pensamos que um corpo tenha um formato definido no espaço, com o qual somos familiares?
Agora essa questão, como qualquer outra que eu tenha conhecido, pode apenas ser respondida através de experimento. E comecei uma série de experimentos para chegar a uma conclusão de um modo ou outro.
É óbvio que isso não é uma investigação científica – mas uma para o professor prático. E assim como nas pesquisas experimentais o habilidoso manipulador irá demonstrar uma lei da natureza, o menos habilidoso manipulador irá falhar; também aqui tudo depende da manipulação. Eu não estava certo de que esse poder estivesse escondido na mente, mas colocar a questão com justiça certamente iria demandar todos os recursos da arte prática da educação.
E isso se provou assim; pois depois de muitos anos de trabalho, durante os quais a concepção de corpos quadridimensionais permanecia absolutamente obscura, em larga medida, através de uma certa mudança de plano, todo o tema da existência quadridimensional se tornou perfeitamente claro e fácil de transmitir.
Realmente não há mais dificuldade em conceber formas em quatro dimensões, quando nos dedicamos a isso do modo correto, ao invés de conceber a ideia de formas sólidas, nem há qualquer mistério acerca disso.
Quando a faculdade é adquirida – ou antes quando é trazida à consciência, pois ela existe em cada um de forma imperfeita – um novo horizonte se abre. A mente adquire um desenvolvimento de poder, e nesse uso de um espaço mais amplo como modo de pensamento, um caminho é aberto por meio do uso daquela própria verdade que, quando enunciada primeiramente por Kant, parecia encerrar a mente dentro de tais limites fixos. Nossa percepção está sujeita à condição de estar no espaço. Mas o espaço não é limitado como pensávamos a princípio.
O próximo passo após ter formado esse poder de concepção em um espaço mais amplo é investigar a natureza e ver que fenômenos podem ser explicados pelas relações de quarta dimensão.
Mas essa parte do tema dificilmente se destina ao mesmo trabalhador que investiga como pensar no espaço quadridimensional. O trabalho de construir o poder é o trabalho do educador prático, o trabalho de aplicá-lo à natureza é o trabalho do homem de ciência. E não é possível realizar as duas tarefas ao mesmo tempo. Consequentemente a coroa ainda está por ser ganha. Aqui o método é dado para treinamento da mente; será um momento muito feliz aquele em que um investigador chegar a fenômenos que mostrem que a natureza externa não pode ser explicada a não ser pela suposição de um espaço quadridimensional.
O pensamento das eras passadas usou a concepção de um espaço tridimensional, e deste modo classificou muitos fenômenos e obteve regras para lidar com questões de grande utilidade prática. O caminho que se abre imediatamente diante de nós no futuro é o de aplicar a concepção de espaço quadridimensional aos fenômenos da natureza, e de investigar o que não pode ser descoberto através desse novo meio de apreensão.
De fato, a que acabou de passar pode ser chamada de era tridimensional; Gauss e Lobatschewski inauguraram a era da quarta dimensão.
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[1] Fonte: HINTON, C. H. Part I: Introduction. In: _____. A new era of thought. London: Swan Sonnenschein & Co., 1888. p. 1-7. Trad. Daniela Kern.