1) Primeiros (des)encontros no Brasil

A gênese da reflexão antropológica é contemporânea à descoberta do Novo Mundo.Com o descobrimento da América, muitos relatos de viajantes e estudos de pensadores se centraram na figura do aborígene, do nativo do Novo Mundo. Montaigne e Rousseau abordaram o mito do Bom Selvagem. Ele inicia com Montaigne, especificamente no Ensaio sobre os Canibais. Rousseau, no séc. XVIII, retoma o mito, cujo sentido está centrado na natureza inocente e bondosa do homem ao nascer, sendo ela corrompida pela sociedade ao longo da vida. No caso dos índios, a mácula viria a partir do contato com o homem branco. Essa influência deu margem a um indianismo ideológico e cultural associando o índio às lutas libertárias e políticas, sempre o vendo como o ser da bondade natural e da pureza moral conforme apontava Rousseau.

A partir dessa breve introdução, um conjunto de atividades podem ser desenvolvidas:

Atividade 1 – O bom selvagem

( 1 ) Pesquise para conhecer um pouco dessa visão sobre o índio como um "bom selvagem" a partir dos termos Montaigne e Rousseau.

( 2 ) Leia a Carta de Pero Vaz Caminha ao Rei D. Manuel, na ocasião do "achamento do Brasil", destaque e reflita sobre trechos que se referem à natureza física e à personalidade dos índios, assim como os trechos em que são claros os objetivos de aculturação (como a imposição religiosa). A mesma atividade pode ser feita refletindo-se sobre a imagem da Primeira Missa, pintada por Victor Meirelles.


Victor Meirelles
A primeira missa, 1858 a 1860
Óleo sobre tela, 268 x 356 cm

Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), RJ

Repare no exemplo abaixo o quanto é possível associar a descrição do índio como exótico:

..."Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas"...

Atividade 2 – O mau selvagem

As imagens que os artistas exploradores deixaram sobre as populações que eles descobriram revelam sua própria cultura, suas próprias referências. Eles se apropriaram do Outro submetendo-os às seus próprios modos de representação e códigos de valores presentes na época.

Partindo dos materiais disponíveis nos Recursos, referentes as viagens feitas por Hans Staden e imagens por ele produzidas em 1557, traduzindo a visão europeia sobre o índio, e do poema I-Juca Pirama (o que há de ser morto), de Gonçalves Dias, desenvolva reflexões sobre canibalismo e o peso dos nossos conhecimentos e pré-noções a priori, da importância da nossa cultura e das nossas referências na percepção do Outro.

Theodor de Bry
Cena de canibalismo
, a partir de “Americae Tertia Pars”, 1592.
Gravura colorida. Service Historique de La Marine, Vincennes, France.

Veja ou leia o poema de I-Juca Pirama, de Gonçalves Dias.

Animação: Clique aqui.
Texto: Clique aqui.

I – Juca Pirama é um marco da poesia indianista no romantismo brasileiro. O indianismo, na poesia romântica, é a afirmação da nacionalidade e coloca o índio como herói. Publicado em 1851 no livro Últimos Cantos, é considerado a obra-prima do autor pela excelência tanto da forma quanto do conteúdo.

O poema possui 484 versos divididos em 10 cantos. O título do poema é tirado da língua tupi e significa aquele que vai ser morto. O poema descreve o drama vivido por um índio tupi, sobrevivente de sua tribo, que é capturado pelos timbiras e deve ser morto em um ritual. Porém, deve antes relatar suas façanhas, para provar que é digno de ser sacrificado.

A luta entre diferentes tribos e o canibalismo de algumas estabelecia entre os indígenas uma terrível dialética antropofágica, que levava uns a incorporarem à sua carne a carne do inimigo. No canto de morte, parte IV do poema de Gonçalves Dias, o índio Tupi, prisioneiro dos Timbiras, alega que é arrimo do pai doente e cego; os que se apresentavam para comê-lo desistem do intento, em razão do seu canto que tomaram como sinal de fraqueza. Sua carne, segundo eles, só serviria para enfraquecer os fortes.

Os Timbiras, então, permitem que ele parta sob essa alegação. O pai, o velho Tupi, quando percebe que o filho fora prisioneiro e não morrera, decide retornar à tribo dos Timbiras e exige que se cumpra a regra, pela honra, e porque o filho demonstrou sua covardia ao chorar e pedir clemência.

O chefe Timbira se recusa e quando o pai vai partir, após maldizer o filho, ouve a luta entre o prisioneiro Tupi e os Timbiras. Desta forma, aceita novamente o filho como leal e honrado, e os Timbiras decidem comê-lo por sua bravura. Neste poema dramático, o sentido do heróico, o culto da lealdade e a beleza moral alcançam o ápice na poesia romântica indianista.

Após conhecer o poema, reflita sob a ótica dos 3 pontos de vista diferentes abaixo (se você estiver desenvolvendo essa atividade em grupo, dividam-se para discutir sobre os argumentos de cada um dos personagens):

a) O prisioneiro Tupi - pede para ser solto para cuidar do velho pai, embora reconheça a supremacia do adversário.

b) O velho Tupi - quer que se cumpra a lei do mais forte, além de discordar da atitude "covarde" do filho.

c) O chefe Timbira - liberta o prisioneiro por temer que o sangue deste enfraqueça sua tribo.

Ao fim, a atividade servirá para cada um perceber que os argumentos não estão inadequados, pois cada personagem obedece a princípios de honra, moral e bravura.

2) Historia de uma viagem: questões disparadoras para um debate sobre a relação europeus e americanos a partir de imagens

Atividade 1

A partir das imagens selecionadas, descreva como elas refletem o encontro com o Outro. Partindo de suas próprias referencias e conhecimentos, trata-se de construir um discurso sobre um lugar desconhecido e de tomar consciência de suas próprias representações.

Este trabalho será a ocasião de refletir sobre a noção de alteridade e de sua importância, de sua historia pessoal, de seus conhecimentos, de seus a prioris, da projeção de nossos valores na representação do Outro. Será igualmente um meio de tomar consciência do poder das imagens e do discurso que se pode elaborar a partir delas e fazê-las expressar, mas também igualmente de expressar uma noção abstrata, de desenvolver a imaginação e a reflexão.

Oscar Pereira da Silva
Desembarque de Cabral em Porto Seguro, 1500
Óleo sobre tela, 190 x 330 cm
Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro.

Johann Moritz Rugendas
Índios em sua cabana, século XIX
Litogravura aquarelada, 20,8 x 26,3 cm / 26,1 x 34,3 cm
Museu de Arte Brasileira, SP

Benedito Calixto
Fundação de São Vicente, 1899
Óleo sobre tela, 65 x 100 cm
Pinacoteca Benedito Calixto, Santos SP

Johann Moritz Rugendas
Ponte de Lianne, século XIX Litogravura aquarelada,
21,3 x 28,5 cm / 26,3 x 34,6 cm
Museu de Arte Brasileira, SP

Atividade 2

Inicie essa atividade buscando conhecer sobre o indianismo romântico, que aplica à pátria o mesmo critério de pesquisa heroica do passado feita pelos românticos europeus.

É importante compreender que haverá no Romantismo, e a imagem da Primeira Missa de Victor Meireles, disponível na atividade anterior, também é um exemplo disso, um indianismo de feição patriótica: como sentimento nativista, de independência. Unem-se o indianismo como teoria social; a imagem do índio como causa do Romantismo, associado à liberdade e independência; e o nacionalismo do qual o índio brasileiro também é símbolo, em busca de uma autenticidade americana, num paralelo aos padrões do retorno ao cavaleiro medieval, em busca do mito histórico, da origem nacional.

Pesquise a biografia de Gonçalves Dias, nosso maior indianista romântico, que possuía sangue indígena (filho de uma guajajara com um português).

Após a pesquisa:

Faça uma interpretação das referências feitas ao índio integrado na tribo, nos costumes, no sentimento de honra e bravura, que para os românticos era sua maior característica, observando os seguintes pontos:

a) como o índio é retratado no texto de Gonçalves Dias?

b) que elementos reforçam a imagem do índio como bravo, bom, belo, honrado, além de apresentar seus costumes e crenças?

c) essa imagem está de acordo com aqueles pressupostos românticos?

d) como são as características desse indígena heróico?

RUGENDAS, Johann Moritz
Guerrillas, 1835
Gravura do livro Viagem Pitoresca Através do Brasil,
publicado em 1835 em Paris. Prancha 7, 3º Divisão
"Andam nus, assim como fazem todos os brasileiros, e trazem os cabelos compridos e pendentes até as nádegas, contra o costume mais ordinário dos homens desse país, os quais"... "tosuram o cabelo na frente e o cerceiam na nuca".

(João de Léry, História de Uma Viagem Feita à Terra do Brasil, 1578).

Jean-Baptiste Debre
Aldeia de cablocos no Cantagalo, RJ, séc. XIX
Óleo sobre tela
"A terra é possuída e habitada pelos Goitacases, selvagens tão ferozes e bravios, que não podem viver em paz com outros"..."Quando são apertados e perseguidos por seus inimigos, os quais ainda não os puderam vencer nem domar, andam tão rápidos a pé, e correm tão ligeiros, que não só deste modo evitam o perigo da morte, mas também no exercício da caça apanham na carreira certos animais silvestres, espécies de veados e corças".

(João de Léry, História de Uma Viagem Feita à Terra do Brasil, 1578).

RUGENDAS, Johann Moritz
Chasse au tigre, 1835
Gravura do livro Viagem Pitoresca Através do Brasil, publicado
em 1835. Prancha 3, 3º Divisão

François Auguste Biard
Os Munducurum as margens de um afluente do Rio Madeira, 1862
Óleo sobre tela,127 X 195 cm
Coleção Zózimo Gomes da Costa, SP

Após essa variada apreciação reflita sobre a visão do índio na literatura romântica e a visão contemporânea do índio.