O que interpretamos do e sobre o Outro? Quem e o que nos diz o quem é o Outro? Aliás, quem é o outro que a imagem tem o poder de retratar? Estas são questões disparadas para pensar este Módulo III, depois do Módulo I nos levar pela incursão de refletir sobre a forma como os viajantes retrataram por meio de imagens as diferenças culturais entre o Europeu e o Indígena Brasileiro. O Módulo II, por sua vez, nos instiga a pensar o quanto preconceitos foram construídos e perpetrados nos olhares de quem vê a imagem que foi construída sobre o outro, compreendido como diferente. Eis aí a indicação de um caminho a trilhar neste Módulo III, quem vê, vê o quê? O diferente está nos olhos de quem vê a partir de quais referenciais? O que a diferença desperta? A desacomodação que gera alteridade ou a indiferença que gera deboche?
Sobre a alteridade, é a sensibilidade de apreender o outro na plenitude da sua dignidade, dos seus direitos e, sobretudo, da sua diferença. Quanto menos alteridade existe nas relações pessoais e sociais, mais conflitos ocorrem. Isso supõe a via mais curta da comunicação humana, que é o diálogo e a capacidade de entender o outro a partir da sua experiência de vida e da sua interioridade. A prática da alteridade se conecta aos relacionamentos tanto entre indivíduos como entre grupos culturais, religiosos, científicos ou étnicos (BETTO, 2008). A “noção de outro ressalta que a diferença constitui a vida social, à medida que esta efetiva-se através das dinâmicas das relações sociais. Assim sendo, a diferença é, simultaneamente, a base da vida social e fonte permanente de tensão e conflito” (G. Velho, 1996, 10). Este “outro” é inseparável de mim; eu só sou o que sou na relação com o outro. Mas, o outro significa que, justamente, ele não sou eu, por isso é preciso reconhecê-lo e respeitá-lo na sua diferença.
Situações comuns à condição humana, pelo menos naturalizada como comuns, como a dor e o sofrimento causados pelas mazelas da vida, colocam as imagens como veículo que media nossa relação com o Outro. A dor do Outro, tanto quanto o cotidiano de vida do homem comum possui sempre a perspectiva de quem olha e de quem sente. A imagem se constrói a partir da narrativa que representa a mediação entre essas perspectivas, mas sempre pelo olhar de quem vê.
A fotografia nos ensina que, a consciência que temos sobre um evento é construída, tecemos nossa percepção sobre determinada imagem, sobretudo, a partir da forma como a lente do fotógrafo registra os fatos (SONTAG, 2004), também, a partir de nossas vivências anteriores, mas ainda em segundo plano. A questão da construção de uma percepção sobre situações gera a reflexão sobre o que é visibilizado para sensibilizar o público expectador sobre aquilo que determinada imagem evoca. O que nos parece problemático disso são os extremos, como a pobreza do outro que enuncia a pena.
Nisso, também podemos lembrar as relações sociais de dominação em que as tipificações são pejorativas, como nos indicam Mattos, Ferreira e Marcos (2004) ao estudar a tipificação de pessoas em situação de rua como vagabundas, sujas e perigosas, de modo que isto pode servir de referência para a construção de suas identidades. O universo simbólico que isto gera pode ser perverso para quem vive a situação da qual a imagem retrata, gerando em quem olha o olhar de pena, hostilidade ou de comoção, mas que nega a humanidade e a igualdade do outro nos direitos e nas capacidades, ou seja, que interrompe a vertente de alteridade que está nas pessoas quando se encontram.
Neste ponto, emerge a reflexão de que, em muitos casos perdemos a ideia original que nos levou a pensar o outro, ou não a construímos pensando no que o outro quer expressar, de modo que eu expresso o outro por meio dos meus pensamentos sobre o outro. Qual a voz do outro?