1) O mau selvagem

Theodor de Bry
Cena de canibalismo
, a partir de “Americae Tertia Pars”, 1592.
Gravura colorida. Service Historique de La Marine, Vincennes, France.

O imaginário europeu, nutrido com dados científicos, relatados em cartas náuticas e experiências descritas em relatos de viagens, abre-se para as Américas, enriquecido pelas ideias do Renascimento. Imensa quantidade de gravuras e desenhos revela um outro ser humano, bem diferente do europeu: índios em contato direto com a natureza pródiga, de corpos saudáveis e bem torneados, bem alimentados de carnes e frutas, adornados com joias e plumas. Uma concepção distante do imaginário anterior dos homens primitivos, deslocando-se em bandos miseráveis, vestidos com peles de animais, acocorados em volta do fogo, em paisagens áridas, sofrendo uma vida de pobreza e perigos, apenas sobrevivendo tristemente. Era a visão de um mundo onde não existia prazer, nem alegria, nem conforto.

Quanta diferença da indolência sensual e contagiante dos índios, com sua fartura e diversidade de alimentos, a beleza dos corpos, os risos e as brincadeiras de seus passatempos! Espantaram-se os descobridores com a variedade e diversidade dos povos na América, ricos e particulares, suas línguas, culturas e costumes.

Quantas maneiras e modos diferenciados no que tocava o simples cotidiano; não somente a linguagem, a alimentação, o habitat, e também aspectos de grande sofisticação, requintes até, nas pinturas corporais, nos adornos com plumas coloridas, nos objetos de palha trançada e nas ferramentas finamente esculpidas. Mas a eles lhes era ainda vetada, e assim o seria durante vários séculos, a noção de cultura, a qual na época só poderia pertencer ao vocabulário da civilização, isto é do Velho Mundo.

Nos seus relacionamentos, nas suas formas extensas e codificadas de se comunicar, dentro da mesma tribo ou não, dentro da mesma etnia ou não, tudo isto surpreendia os europeus que nunca poderiam imaginar encontrar em terras desconhecidas tantos povos com tantas variantes. As crenças e religiões, os tipos físicos, os níveis de desenvolvimento, eram muitas as informações e complexas as suas interpretações.

Muitos povos eram pobres, mas alguns possuíam riquezas fartas, ostentavam artefatos luxuosos e acumulavam tesouros de ouro e pedras preciosas. A mais completa ausência de tecnologias “modernas”, tais como ferro, arado ou pólvora não impedia um estilo de vida gerador de riquezas capazes de despertar sanguinárias ganâncias nos sonhos dos conquistadores que varreram as Américas do México ao Peru.

Nas mentes europeias, a descoberta de sociedades humanas pagãs e primitivas, vivendo em aparentes paraísos, teve um impacto surpreendente. Na Europa cristã, a esperança de uma pessoa ser aceita no paraíso, anteriormente estava indissoluvelmente associada aos cristãos tementes a Deus e merecedores da escolha divina. Não podemos esquecer que se vivia na Europa Ocidental da Inquisição. O conceito de ser primitivo implicaria obrigatoriamente uma vida miserável. As revelações do Novo Mundo chocavam-se e desmentiam as concepções religiosas e as tradições filosóficas medievais.

Do século XVI ao XVIII se consolidará esse imaginário do poder, junto às descrições apelativas de Eldorados e de terras paradisíacas, ficções, ensaios, teatro, poesia, polêmicas, debates em torno da monarquia e liberdade, da cidadania, ou seja, da subjetividade moderna nascente. Shakespeare, Montaigne, Ronsard, Rabelais, Rousseau, Diderot, Voltaire, La Fayette alimentaram, cada um à sua maneira, o imaginário europeu sobre a América.

Surgiram mais tarde também teses de tipo romântico, que defendiam o contrário da visão tradicional: todo o homem primitivo seria bom, apenas se tornando mau quando corrompido pela sociedade. Era a “teoria do bom selvagem” imortalizada por um filósofo, nascido em Genebra, Jean Jacques Rousseau (1712-1778), que vamos referir adiante.

Porém, não era possível dissociar a ideia do índio primitivo das suas práticas de canibalismo, o que estava presente em muitos relatos de viajantes. As opiniões sobre o tema divergiam: tratava-se de canibalismo ritual ou de antropofagismo alimentar?

Na prática, o canibalismo representou uma ruptura radical entre os indígenas e os conquistadores. A ingestão de pedaços de carne humana aparecia no imaginário europeu ora como forma de vingança dos inimigos vencidos, ora como prática ritual para adquirir as características das pessoas sacrificadas, mas sempre como um traço cultural abominável.

HANS STADEN DE HOMBERG NA TERRA BRASILIS: um aventureiro na América e o mau selvagem

Theodor de Bry
Cena de canibalismo
, a partir de “Americae Tertia Pars”, 1592.
Gravura colorida. Service Historique de La Marine, Vincennes, France.

Theodor de Bry
Cena de canibalismo
, a partir de “Americae Tertia Pars”, 1592.
Gravura colorida. Service Historique de La Marine, Vincennes, France.

Em 20 de junho de 1556 um alemão aventureiro e viajante compulsivo, dedicou ao “glorioso” príncipe de Hessen um fantástico relato de suas aventuras, decorridas principalmente em terras brasileiras: A História Verídica que descreve uma terra de selvagens nus e comedores de seres humanos, que se situa no Novo Mundo da América, etc. Seus escritos estão mais de acordo com a visão pessimista europeia do Novo Continente: índios em que ninguém pode confiar, torturadores, traiçoeiros e canibais. Era uma descrição tão insólita para os europeus daquele tempo, que por muitos foi considerada um amontoado de mentiras. Após muitas peripécias, contadas em tom de tragédia, mas que frequentemente deixam o leitor atual à beira do riso, os escritos de Staden nos dão informações interessantes sobre as relações entre nativos, portugueses e franceses.

Capturado pelos tupinambás perto de Bertioga, logo entendeu que eles o queriam maltratar. “Nisto me levaram para a cabana onde tive de deitar numa rede e mais uma vez vieram as mulheres e bateram em mim, arrancaram meus cabelos e mostraram-me como pretendiam me comer...com os pés atados desta maneira tive de pular pela cabana. Eles riam e gritavam: lá vem a nossa comida pulando...Deram voltas em torno de mim ...um deles disse que o couro da cabeça era dele, um outro que a minha coxa lhe pertencia...(eles) preparam uma bebida de raízes que chamam de cauim... Somente depois da festa é que matam (os prisioneiros, para os devorar) ...”

Não satisfeitos em ameaçar devorá-lo, mantendo-no sobre forte tensão, os índios levaram-no para Ubatuba onde tinham estabelecido sua aldeia. Com frequência obrigando-o a assistir a rituais antropofágicos. Em determinada oportunidade, sem que se saiba o porquê de tal decisão, fizeram-no ir à aldeia de Tiquaripe, nos arredores de Angra dos Reis, obrigando-no a assistir a uma cerimônia no qual o ibirapema, o mestre das execuções, escolheu um dos inimigos aprisionados para ter a sua cabeça por ele esmagada. Os membros da tribo, já meio embriagados e muito exaltados, cercaram o cadáver, despedaçando-o e o devoraram em seguida.

Após inúmeras aventuras, que lembram as narrativas dos romances da Idade Média, o viajante alemão acaba por escapar, voltando à terra natal para contar suas aventuras aos incrédulos compatriotas.

Interessa, porém, observar, no que toca ao livro de Staden, as precauções que ele tomou na Alemanha para que acreditassem nele. A Europa do século XVI, o grande século das navegações, estava cansada de ler ou ouvir relatos cravejados de mentiras e absurdos diversos.

A tal ponto tinham chegado as coisas, que Rabelais, o grande satírico francês, fazendo mofa do livro do padre cosmógrafo André Thévet (Singularitez de la France Antarctique, 1558), decidiu-se inserir na sua obra (Gargantua e Pantagruel, 1564, Livro V), dois capítulos denunciando, pelo riso, o disparate das visões mentirosas que alguns viajantes tiveram no inexistente “País de Cetim”. Criou, também, como símbolo desses mitômanos, um personagem-caricatura, o “Ouvi-dizer”, que, apesar de ser um velho, corcunda e paralítico, tendo a língua esfacelada em sete pedaços, narrava, com um mapa-múndi aberto à sua frente, as suas impossíveis aventuras para uma multidão de crédulos. Eram histórias de unicórnios, de mantichoros com corpo de leão e cara humana, de cabeçudíssimos catoblepos de olhos venenosos, de hidras com sete cabeças, de onocrotalos que imitavam gritos de asno, de pégasos, e de tribos de seres com cabeças de pássaros, ou até mesmo com duas cabeças, de povos fabulosos que andavam apoiados nas mãos, com as pernas balançando no ar!

Querendo, pois, evitar ser chamado de embusteiro, Staden, além de banir do seu relato qualquer menção à zoologia fantástica, pediu a um conhecido seu do Hesse, um tal Dryander, que assegurasse a veracidade do conteúdo do livro. Staden, “ébrio de um sonho heróico e brutal”, viera a dar com os costados no Brasil para satisfazer seu gosto pela aventura, para ver de perto as maravilhas que escutara na Europa sobre o Novo Mundo descoberto. Foi na sua segunda viagem ao Brasil (na primeira ele conhecera Pernambuco) que Staden naufragou nas costas do litoral fluminense. Por saber lidar com canhões, os portugueses, que o acolheram muito bem, promoveram-no a artilheiro do Forte de Bertioga.

Nota: As aventuras de Hans Staden renderam no Brasil um filme longa metragem (dirigido por Luiz Alberto Pereira) e algumas edições de livros, entre as quais sugerimos Hans Staden, tradução de Angel Bojadsen, introdução de Fernando A. Novais, Editora Terceiro Nome, São Paulo, 1999.

2) O bom selvagem

JEAN-JACQUES ROUSSEAU, O ESTADO DE NATUREZA E O BOM SELVAGEM

José Teófilo de Jesus
América, 1750-1847

Óleo sobre tela, 65 x 82 cm
Museu de Arte da Bahia, Salvador.

Victor Meireles de Lima
Moema
, 1866.
Óleo sobre tela, 129 x 190 cm
Acervo do museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand/MASP.

Rousseau foi um típico intelectual do seu tempo, do mais alto quilate, que o fez merecer o título de filósofo e precursor dos românticos.

Suas preocupações o levaram a muitos campos da cultura, mas neste caso nos interessam apenas os seus pontos de vista sobre os povos primitivos. Mostrou-se original e sensível ao aproximar o “estado de natureza” de sua teoria sobre o “bom selvagem”. Assim fazendo, nascia, como afirmou Claude Lévi-Strauss, a etnologia um século antes que ela fizesse a sua aparição.

A filosofia clássica afirmava que o “estado de natureza” representava uma era de barbárie na qual a formação e o usufruto da vida em grupo estariam definitivamente derrotados. Este “estado de natureza” posicionava-se somente como ponto de partida para o grande projeto da humanidade através de civilização.

Rousseau, por sua vez, revelou e valorizou as qualidades do “bom selvagem”, o qual desfrutava de um ambiente natural generoso e acolhedor ao ponto de poder satisfazer suas módicas necessidades ligadas à subsistência. Por outro lado, gozava de uma índole pacífica e pura, desprovida de desejos de riqueza, glória e poder, próprios de cidadãos civilizados.

Levando esta ideia além, ele considerava que através do raciocínio lógico chegaríamos a descobrir o estado natural: em primeiro lugar impõe-se o conhecimento do ser humano, o mais importante de todos. Por aí chegamos à conclusão que o selvagem primitivo era um ser robusto e preparado para o seu ambiente, sabia enfrentar os animais e viver em harmonia com a natureza.

Ao contrário, o homem civilizado é um ser viciado e cheio de defeitos. Olhemos para o exemplo dos animais, que em seu estado selvagem são autossuficientes e cheios de beleza e, quando domesticados, perdem estes predicados, ficando dependentes do homem.

Os instintos dos selvagens primitivos eram poucos e simples: receavam a dor (física, claro, que outra qualquer eles ignoravam); suas paixões eram a nutrição, o repouso e a reprodução. Como nunca tinham refletido sobre a morte, logicamente não a temiam.

O homem natural não é bom nem mau, não faz juízos de valor sobre o que é vício ou virtude. Entretanto, no estado da natureza, as paixões (instintivas) são mais exacerbadas. O selvagem está com fome, alimenta-se e sua paixão se extingue.

Resumia Rousseau estas dualidades expressando que “a maioria dos nossos males é obra nossa”. Falando de amor, existem dois tipos, um que pode chamar-se de moral, mas que na verdade é uma forma fictícia de amor. Foi criado pela sociedade, “inventado pelas mulheres”; é muito diferente do amor físico, esse sim, verdadeiramente autêntico. Ao selvagem qualquer mulher lhe serve, como acontece com os animais. A educação, os hábitos e as culturas sociais, na verdade depravaram o homem e lhe roubaram sua autêntica natureza.

Deixando de lado os comentários absurdos - e desatualizados - sobre o amor e a condição feminina, nesta teoria do bom selvagem de Rousseau podemos verificar a visão otimista e idílica que os europeus passaram a ter dos povos primitivos - agora completamente separada do preconceito medieval que os considerava como seres inexoravelmente condenados às penas dos infernos.

Nota: os escritos de Rousseau, provocaram influências variadas, vastas e profundas no pensamento ocidental. Para o tema do “bom selvagem” o leitor encontrará facilmente inúmeras páginas de divulgação cultural em nossas enciclopédias. Poderá consultar, entre essas fontes: Rousseau, em tradução de Lourdes Santos Machado, enriquecida com as contribuições de Paul Arbousse-Bastide e Lourival Gomes Machado, Editora Nova Cultural, São Paulo, 1999.

Os humanistas foram criando novos símbolos, metáforas e alegorias. Um dos temas prediletos passou a ser Os Quatro Continentes. É que aos Três Continentes, representados desde a Antiguidade e com muita influência dos cânones greco-romanos, os europeus acrescentaram outro, com a representação alegórica do Novo Mundo: uma mulher mostrada em sua nudez e sensualidade, com traços guerreiros, adornos de plumas e carregando arco e flecha. Era a América Índia.

Neste campo cada artista exerceu sua sensibilidade em conceitos e imagens que muito variaram e se tornaram patentes em suas pinturas. Há numerosos quadros e gravuras privilegiando temas simbólicos como animais exóticos, frutas tropicais, grande diversidade e riqueza de roupas. Outros sublinhavam os pendores guerreiros e referiam-se ao canibalismo, às qualidades maternais das índias, à interação com a natureza exuberante, o espírito comunitário, a vida indolente e pacífica.

Muitas pinturas apresentam algumas destas características combinadas, tentando representar equilibradamente a visão do Novo Mundo. Entretanto, de pinturas com alegorias especificamente relacionadas ao Brasil, só se tem notícia no Século XVII. Devemos mencionar que no século anterior o principal suporte pictográfico tinha sido a gravura em diversas formas. A xilogravura (entalhada em madeira), foi aos poucos cedendo espaço para outro processo de mais recursos artísticos, a gravura sobre cobre, praticada por muitos grandes mestres da época, sobretudo na Itália, Alemanha, Flandres e França.

O fascínio europeu pelas Américas promoveu uma mobilização ampla e profunda em todos os domínios da atividade humana. As conquistas, a constituição de impérios ultramarinos e o consequente enriquecimento dos países europeus, sobretudo de Portugal, Espanha, Inglaterra e Holanda, também motivaram os artistas, que foram progressivamente se libertando dos limites impostos pelos motivos religiosos, para se expressarem com mais liberdade.

Artistas que se destacaram na produção de imagens do Outro na América nesse período

Albert Eckhout

Albert Eckhout realizou obras que aliavam minucioso caráter documental a uma superlativa qualidade estética, e até hoje são uma das fontes primárias para o estudo da paisagem, da natureza e da vida dos índios daquela região. Esta produção, ainda que tenha retornado à Europa na retirada do conde em 1644, representou, na pintura, o último eco da estética renascentista em terras brasileiras.

Ele era um desenhista holandês. Com uma obra de grande interesse descritivo, retratou os primeiros habitantes do país, entre os quais mulatos, mamelucos e negros, sendo o quadro A dança dos tapuias, considerado por muitos como sua obra-prima. Depois mudou-se para Amersfoort, cidade onde batizou seus três filhos, e morou em Sachsen, Dresden (1653-1663), contratado por João Jorge II da Saxônia como pintor de sua corte, mas vitimado pela malária adquirida em sua estada na América, voltou para sua cidade natal onde morreu no ano seguinte.

Oito de seus desenhos originais foram presenteados (1679) por Nassau ao rei Luís XIV de França que, mais tarde (1687-1730), foram levados para a manufatura de tapeçarias dos Gobelins, que os reproduziu na série peças denominados de Les anciennes Indes, que se tornaram muito populares no século seguinte.

Albert Eckhout
Homem Tapuia, 1641

Óleo sobre tela, 161 x 272 cm
Nationalmuseet, Copenhague, Dinamarca.

Albert Eckhout
Mulher Negra, 1641

Óleo sobre tela, 189 x 282 cm
Nationalmuseet, Copenhague, Dinamarca.

Albert Eckhout
Dança dos Tapuia, c.1641-1644

Óleo sobre tela, 295 x 172 cm
Nationalmuseet, Copenhague, Dinamarca.

Jean-Baptiste Debret

Pintor, desenhista e professor francês. Integrou a Missão Artística Francesa (1817), que fundou, no Rio de Janeiro, uma academia de Artes e Ofícios, mais tarde Academia Imperial de Belas Artes, onde lecionou uma fazenda. De volta à França (1831) publicou Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil (1834-1839), documentando aspectos da natureza, do homem e da sociedade brasileira no início do século XIX. Uma de suas obras serviu como base para definir as cores e formas geométricas da atual bandeira republicana, adotada em 19 de novembro de 1889.

Jean-Baptiste Debret
Caçador de Escravos
, c. 1820-1830.
Museu de Arte de São Paulo.

André Thévet

Frei André Thévet foi um frade franciscano francês, explorador, cosmógrafo e escritor que viajou ao Brasil no século XVI, tendo escrito obras sobre os costumes da terra naquele tempo. Estudioso de Cosmografia e Cartografia, Thevet tornou-se cosmógrafo do rei da França, Henrique II, a partir de 1558. Embarcou para o Rio de Janeiro (Brasil), na frota do Almirante Nicolas Durand de Villegagnon, permanecendo em terras brasileiras de novembro de 1555 a janeiro de 1556, a observar a natureza e os indígenas da Baía de Guanabara.

Foi o grande responsável pela vulgarização da expressão "França Antártica", referindo a experiência colonial francesa na baía da Guanabara, ao publicar "Les singularitez de la France Antarctique" (Paris, 1557), ilustrada com 41 xilogravuras. Nessa obra, responsabiliza os huguenotes (calvinistas franceses) pelo fracasso na manutenção da colônia, posição que justificou a obra "Histoire d'un voyage faict en la terre du Brésil", de autoria do calvinista Jean de Léry.

Em 1575, publicou "La cosmographie universelle d´André Thever, cosmographe de Roy", em 4 tomos, ilustrada com 228 gravuras, sendo um dos tomos dedicado inteiramente aos índios tupinambás. Thévet foi também guarda das curiosidades reais, e abade de Masdion, em Sanitonge.

André Thévet
Comme les Amazones traitent ceux qu'elles
prennent en guerre

Museu de Arte de São Paulo.

Theodor de Bry

Foi um ourives e editor de Liège (França) que se tornou especialista em gravuras de cobre. Nascido na Bélgica, logo fugiu para a Alemanha fugindo de perseguições religiosas de católicos espanhóis. Viveu também na Inglaterra, onde expôs seus trabalhos sobre a exploração do novo mundo. Entre suas obras, está uma muito conhecida no Brasil que retrata um ritual de canibalismo dos índios tupinambás na então colônia portuguesa.

Theodor de Bry
América Tertia pars..., 3º volume de Grands
Voyages, Frankfurt, 1592.

Biblioteca Mário de Andrade, São Paulo.

José Maria de Medeiros

Foi um pintor português naturalizado brasileiro. Em 1867 entrou no Liceu de Artes e Ofícios, e em 1868 ingressou na Academia Imperial de Belas Artes, estudando com Vítor Meirelles e Francisco de Sousa Lobo. Entre 1879 e 1891 foi professor de desenho figurado na academia, e entre 1891 e 1911 no Asilo de Menores Desamparados. Recebeu a Ordem Imperial da Rosa em 1884, no grau de oficial, pelo seu quadro Iracema, hoje no Museu Nacional de Belas Artes.

José Maria de Medeiros
Lindóia, 1882.
Óleo sobre tela, 54,5 x 81,5 cm.

Rio de Janeiro, Coleção Cultura Inglesa.

José Teófilo de Jesus

Foi um pintor e decorador brasileiro, um dos mais notados representantes da Escola Baiana de pintura. Sua obra é eclética, e se caracteriza por ilustrar a passagem do Barroco para o Rococó, chegando a esboçar traços neoclássicos, adaptando criativamente uma herança estética importada para um contexto novo, e formulando com isso uma linguagem tipicamente brasileira. Foi original também ao trabalhar temas profanos num contexto em que a tradição religiosa tinha grande peso. Parece ter levado uma vida simples e despojada, da qual pouco se conhece, embora como artista seu prestígio em vida fosse grande. Sua produção é aparentemente vasta, mas um bom número das obras que são identificadas com seu nome têm essa atribuição sustentada apenas pela tradição oral. Apesar de já ser reconhecido pelos especialistas como um dos grandes nomes do Barroco brasileiro, e um dos últimos grandes, sua trajetória ainda é cheia de lacunas e incertezas, precisa de mais estudos especializados, e ainda não se tornou conhecida pelo grande público.

José Teófilo de Jesus
América
Óleo sobre tela

Museu de Arte da Bahia, Salvador.

Victor Meireles de Lima

Foi um pintor e professor brasileiro. De origens humildes, cedo seu talento foi reconhecido, sendo admitido como aluno da Academia Imperial de Belas Artes. Especializou-se no gênero da pintura histórica, e ao ganhar o Prêmio de Viagem ao Exterior da Academia, passou vários anos em aperfeiçoamento na Europa. Lá pintou sua obra mais conhecida, A Primeira Missa no Brasil. Voltando ao Brasil tornou-se um dos pintores preferidos de Dom Pedro II, inserindo-se no programa de mecenato do monarca e alinhando-se à sua proposta de renovação da imagem do Brasil através da criação de símbolos visuais de sua história. Tornou-se admirado professor da Academia, formando uma geração de grandes pintores, e continuou seu trabalho pessoal realizando outras pinturas históricas importantes, como a Batalha dos Guararapes, a Moema e o Combate Naval do Riachuelo, bem como retratos e paisagens, onde se destacam o Retrato de Dom Pedro II e os seus três Panoramas. Fez muitos admiradores, mas também muitos críticos, despertando fortes polêmicas, num período em que se acendia a disputa entre os acadêmicos e os primeiros modernistas. Com o advento da República, por estar demasiado vinculado ao Império, caiu no ostracismo, e acabou sua vida em precárias condições financeiras, já muito esquecido. A obra de Victor Meirelles pertence à tradição acadêmica brasileira, formada por uma eclética síntese de referências neoclássicas, românticas e realistas, mas o pintor absorveu também influências barrocas e do grupo dos Nazarenos. Um dos principais pintores brasileiros do século XIX, para muitos o maior de todos, foi autor de algumas das mais célebres recriações visuais da história brasileira, que até os dias de hoje permanecem vivas na cultura nacional e são incessantemente reproduzidas em livros escolares.

Victor Meirelles
A primeira missa, 1858 a 1860
Óleo sobre tela, 268 x 356 cm

Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), RJ