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Escrevo como Deus: direito, mas sem pauta. Quem me ler que desentorte as palavras. Alinhada só a morte. O resto tem as duas margens da dúvida. Como eu, feito de raças cruzadas. Meu pai, português, cabelos e olhos loiros. Minha mãe era negra, retintinha. Nasci, assim, com pouco tom na pele, muita cor na alma.
Mia Couto. Estórias abensonhadas, 2013. p. 131.


Você tem cultura?* Roberto Da Matta**

Outro dia ouvi uma pessoa dizer que “Maria não tinha cultura”, era “ignorante dos fatos básicos da política, economia e literatura”. Uma semana depois, no Museu onde trabalho, conversava com alunos sobre “a cultura dos índios Apinayé de Goiás”, que havia estudado de 1962 até 1976, quando publiquei um livro sobre eles (Um mundo dividido). Refletindo sobre os dois usos de uma mesma palavra, decidi que esta seria a melhor forma de discutir a ideia ou o conceito de cultura tal como nós, estudantes da sociedade a concebemos. Ou, melhor ainda, apresentar algumas noções sobre a cultura e o que ela quer dizer, não como uma simples palavra, mas como uma categoria intelectual um conceito que pode nos ajudar a compreender melhor o que acontece no mundo em nossa volta.

Retomemos os exemplos mencionados porque eles encerram os dois sentidos mais comuns da palavra. No primeiro, usa-se cultura como sinônimo de sofisticação, de sabedoria, de educação no sentido restrito do termo. Quer dizer, quando falamos que “Maria não tem cultura”, e que “João é culto”, estamos nos referindo a um certo estado educacional destas pessoas, querendo indicar com isto sua capacidade de compreender ou organizar certos dados e situações. Cultura aqui é equivalente a volume de leituras, a controle de informações, a títulos universitários e chega até mesmo a ser confundido com inteligência, como se a habilidade para realizar certas operações mentais e lógicas (que definem de fato a inteligência), fosse algo a ser medido ou arbitrado pelo número de livros que uma pessoa leu, as línguas que pode falar, ou ao quadros e pintores que pode, de memória, enumerar. Como uma espécie de prova desta associação, temos o velho ditado informando que “cultura não traz discernimento”... ou inteligência, como estou discutindo aqui.

Neste sentido, cultura é uma palavra usada para classificar as pessoas e, às vezes, grupos sociais, servindo como uma arma discriminatória contra algum sexo, idade (“as gerações mais novas são incultas”), etnia (“os pretos não tem cultura”) ou mesmo sociedades inteiras, quando se diz que “os franceses são cultos e civilizados” em oposição aos americanos que são “ignorantes e grosseiros”. Do mesmo modo é comum ouvir-se referências à humanidade, cujos valores seguem tradições diferentes e desconhecidas, como a dos índios, como sendo sociedades que estão “na Idade da Pedra” e se encontram em “estágio cultural muito atrasado”. A palavra cultura, enquanto categoria do senso comum, ocupa como vemos um importante lugar no nosso acervo conceitual, ficando lado-a-lado de outras, cujo uso na vida cotidiana é também muito comum.

Estou me lembrando da palavra “personalidade” que, tal como ocorre com a palavra “cultura”, penetra o nosso vocabulário com dois sentidos bem diferenciados. No campo da

Psicologia, personalidade define o conjunto dos traços que caracterizam todos os seres humanos. É aquilo que singulariza todos e cada um de nós como uma pessoa diferente, com interesses, capacidades e emoções particulares. Mas na vida diária, personalidade é usada como um marco para algo desejável e invejável de uma pessoa.

Assim, certas pessoas teriam “personalidade" outras não! É comum se dizer que "João tem personalidade” quando de fato se quer indicar que "João tem magnetismo", sendo uma pessoa "com presença". Do mesmo modo, dizer que "João não tem personalidade", quer apenas dizer que ele não é uma pessoa atraente ou inteligente. Mas no fundo, todos temos personalidade, embora nem todos possamos ser pessoas belas ou magnetizadoras como um artista da Novela das Oito. Mesmo urna pessoa "sem personalidade" tem, paradoxalmente, personalidade na medida em que ocupa um espaço social e físico e tem desejos e necessidades. Pode ser uma pessoa sumamente apagada, mas ser assim é precisamente o traço marcante de sua personalidade.

No caso do conceito de cultura ocorre o .mesmo, embora nem todos saibam disso. De fato, quando um antropólogo social fala em "cultura", ele usa a palavra como um conceito chave para a interpretação da vida social. Porque para nós ''cultura" não é simplesmente um referente que marca uma hierarquia de "civilização" mas a maneira de viver total de um grupo, sociedade, país ou pessoa. Cultura é, em Antropologia Social e Sociologia, um mapa, um receituário, um código através do qual as pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si mesmas. É justamente porque compartilham de parcelas importantes deste código (a cultura) que um conjunto de indivíduos com interesses e capacidades distintas e até mesmo opostas, transformam-se num grupo e podem viver juntos sentindo-se parte de uma mesma totalidade. Podem, assim, desenvolver relações entre si porque a cultura lhes forneceu normas que dizem respeito aos modos, mais (ou menos) apropriados de comportamento diante de certas situações.

Por outro lado, a cultura não é um código que se escolhe simplesmente. É algo que está dentro e fora de cada um de nós, como as regras de um jogo de futebol, que permitem o entendimento do jogo e, também, a ação de cada jogador, juiz, bandeirinha e torcida. Quer dizer, as regras que formam a cultura (ou a cultura como regra) é algo que permite relacionar indivíduos entre si e o próprio grupo com o ambiente onde vivem. Em geral, pensamos a cultura como algo individual que as pessoas inventam, modificam e acrescentam na medida de sua criatividade e poder. Daí falarmos que Fulano é mais culto que Sicrano e distinguirmos formas de "cultura" supostamente mais avançadas ou preferidas que outras. Falamos então em "alta cultura'' e "baixa cultura" ou “cultura popular", preferindo naturalmente as formas sofisticadas que se confundem com a própria idéia de cultura. Assim, teríamos a cultura e culturas particulares e adjetivadas.(popular, indígena, nordestina, de classe baixa, etc.) como formas secundárias, incompletas e inferiores de vida social.

Mas a verdade é que todas as formas culturais ou todas as "sub-culturas” de uma sociedade são equivalentes e, em geral, aprofundam algum aspecto importante que não pode ser esgotado completamente por outra "sub-cultura". Quer dizer, existem gêneros de cultura que são equivalentes a diferentes modos de sentir, celebrar, pensar e atuar sobre o mundo e esses gêneros pode estar associado a certos segmentos sociais. O problema é que sempre que nos aproximamos de alguma forma de comportamento e de pensamento diferente, tendemos a classificar a diferença hierarquicamente, que é uma: forma de excluí-la. Outro modo de perceber e enfrentar a diferença cultural é tomar a diferença como um desvio, deixando de buscar seu papel numa totalidade. Desta forma, podemos ver o carnaval como algo desviante de uma festa religiosa, sem nos darmos conta de que as festas religiosas e o carnaval guardam uma profunda relação de complementaridade. Realmente, se no terreno da festa religiosa somos marcados pelo mais profundo comedimento e respeito polo foco no "outro mundo” é porque no carnaval podemos nos apresentar realizando o justo oposto. Assim, o carnavalesco e o religioso não podem ser classificados em termos de superior ou inferior ou como articulados a uma. "cultura autêntica" e superior, mas devem ser vistos nas suas relações que são complementares. O que significa dizer que tanto há cultura no carnaval quanto na procissão e nas festas cívicas, pois que cada uma delas é um código capaz de permitir um julgamento e uma atuação sobre o mundo social no Brasil. Como disse uma vez, essas festas nos revelam leituras da sociedade brasileira por nós mesmos e é nesta direção que devemos discutir o conteúdo e a. forma de cada cultura ou sub-cultura em uma sociedade (veja-se o meu livro, Carnavais; Malandros e Heróis).

No sentido antropológico, portanto, a cultura é um conjunto de regras que nos diz como o mundo pode e deve ser classificado. Ela, como os textos teatrais, não pode prever completamente como iremos nos sentir em cada papel que devemos ou temos necessariamente que desempenhar, mas indica maneiras gerais e exemplos de como pessoas que viveram antes de nós os desempenharam. Mas isso não impede, conforme sabemos, emoções. Do mesmo modo que um jogo de futebol com suas regras fixas não impedem renovadas emoções em cada jogo. É que as regras apenas indicam os limites e apontam os elementos e suas combinações explícitas. O seu funcionamento e, sobretudo, o modo pelo qual elas engendram novas combinações em situações concretas é algo que só a realidade pode dizer. Porque embora cada cultura contenha um conjunto finito de regras, suas possibilidades de atualização, expressão e reação em situações concretas, são infinitas. Apresentada assim, a cultura parece ser um bom instrumento para compreender as diferenças entre os homens e as sociedades. Elas não seriam dadas, de uma vez por todas, por meio de um meio geográfico ou de uma raça, como diziam os estudiosos do passado, mas em diferentes configurações ou relações que cada sociedade estabelece no decorrer de sua história. Mas é importante acentuar que a base destas configurações, é sempre um repertório comum de potencialidades. Algumas sociedades desenvolveram algumas dessas potencialidades mais e melhor do que outras, mas isso não significa que elas sejam mais pervertidas ou mais adiantadas. O que isso parece indicar é, antes de mais nada, o enorme potencial que cada cultura encerra, como elemento plástico, capaz de receber as variações e motivações dos seus membros, bem como os desafios externos. Nosso sistema caminhou na direção de um poderoso controle sobre a natureza, mas isso é apenas um traço entre muitos outros. Há sociedades na Amazônia onde o controle da natureza é muito pobre, mas onde existe urna enorme sabedoria relativa ao equilíbrio entre os homens e os grupos cujos interesses são divergentes. O respeito pela vida que todas as sociedades indígenas nos apresentam, de modo tão vivo, pois que os animais são seres incluídos na formação e discussão de sua moralidade e sistema político, parece se constituir não em exemplo de ignorância e indigência lógica, mas em verdadeira lição, pois respeitar a vida deve certamente incluir toda a vida e não apenas a vida humana. Hoje estamos mais conscientes do preço que pagamos pela exploração desenfreada do mundo natural sem a necessária moralidade que nos liga inevitavelmente às plantas, aos animais, aos rios e aos mares.

Realmente, pela escala destas sociedades tribais, somos uma sociedade de bárbaros, incapazes de compreender o significado profundo dos elos que nos ligam com todo o mundo em escala global. Pois é assim que pensam os índios e por isso que as suas histórias são povoadas de animais que falam e homens que se transformam em animais. Conosco, são as máquinas que tomam esse lugar...

O conceito de cultura, ou, a cultura como conceito, então, permite uma perspectiva mais consciente de nós mesmos. Precisamente porque diz que não há homens sem cultura e permite comparar culturas e configurações culturais como entidades iguais, deixando de estabelecer hierarquias em que inevitavelmente existiriam sociedades superiores e inferiores. Mesmo diante de formas culturais aparentemente irracionais, cruéis ou pervertidas, existe o homem a entendê-las – ainda que seja para evitá-las, como fazemos com o crime - é uma tarefa inevitável que faz parte da condição de ser humano e viver num universo marcado e demarcado pela cultura.

Em outras palavras, a cultura permite traduzir melhor a diferença entre nós e os outros e, assim fazendo, resgatar a nossa humanidade no outro e a do outro em nós mesmos. Num mundo como o nosso, tão pequeno pela comunicação em escala planetária, isso me parece muito importante. Porque já não se trata somente de fabricar mais e mais automóveis, conforme pensávamos em 1950, mas desenvolver nossa capacidade para enxergar melhores caminhos para os pobres, os marginais e os oprimidos. E isso só se faz com uma atitude aberta para as formas e configurações sociais que, como revela o conceito de cultura, estão dentro e fora de nós.

Num país como o nosso, onde as formas hierarquizantes de classificação cultural sempre foram dominantes, onde a elite sempre esteve disposta a autoflagelar-se dizendo que não temos uma cultura, nada mais saudável do que esse exercício antropológico de descobrir que a fórmula negativa - esse dizer que não temos cultura é, paradoxalmente, um modo de agir cultural que deve ser visto, pesado e talvez substituído por uma fórmula mais confiante no nosso futuro e nas nossas potencialidades.

* Artigo publicado no Jornal da Embratel, RJ, 1981.
** Roberto Da Matta, pesquisador e professor de Antropologia Social do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista. É autor dos livros: Ensaios de Antropologia Estrutural (Editora Vozes), Um Mundo Dividido (Editora Vozes), O Inverso do Carnaval (Edições Pinakotheke), Carnavais, Malandros e Heróis (ZaharEditores) e Relativizando: Uma introdução à Antropologia Social (Editora Vozes). É autor de inúmeros artigos publicados em revistas especializadas nacionais e estrangeiras. Foi professor visitante na Universidade de Winsconsin, Madison (Estados Unidos) e na Universidade de Cambridge (Inglaterra). Tem realizado cursos e conferências na maioria das universidades brasileiras, americanas e europeias.



A utilização da imagem para produzir formas positivas de reconhecimento da diversidade cultural e novas sensibilidades políticas

Os Sete Sapatos Sujos
"Não podemos entrar na modernidade com o atual fardo de preconceitos.
À porta da modernidade precisamos de nos descalçar.
Eu contei Sete Sapatos Sujos que necessitamos de deixar na soleira da porta dos tempos novos.
Haverá muitos. Mas eu tinha que escolher e sete é um número mágico:
- Primeiro Sapato - A ideia de que os culpados são sempre os outros.
- Segundo Sapato - A ideia de que o sucesso não nasce do trabalho.
- Terceiro Sapato - O preconceito de que quem critica é um inimigo.
- Quarto Sapato - A ideia de que mudar as palavras muda a realidade.
- Quinto Sapato - A vergonha de ser pobre e o culto das aparências.
- Sexto Sapato - A passividade perante a injustiça.
- Sétimo Sapato - A ideia de que, para sermos modernos, temos de imitar os outros."

Mia Couto
(Excertos desta oração foram publicados no Courrier Internacional, nº. 0, de 2 de Abril).



Imagens para pensar o Outro consiste em um dispositivo de descoberta de diferentes culturas e a serviço de uma melhor compreensão do Outro. Consiste em uma ferramenta pedagógica de diálogo das culturas e de debate em torno da alteridade, da identidade cultural e das diferenças culturais. Vimos nos outros módulos o poder da imagem na construção de imaginários sociais.

A partir da noção de cultura, apresentada nesse módulo, podemos pensar a diversidade cultural a partir de imagens, de forma a que essa atividade produza a “descolonização do modo de pensar e da contenção da supremacia imagética e cultural indo-europeia, significante fator na ampliação da democracia e na limitação do colonialismo cognitivo e mental” (TAVARES, 2010, p. 43). A noção que esse autor defende como fundamental para assentar reflexões importantes sobre imagem e direitos humanos, “aponta para um programa de ações que implemente um projeto de alfabetização audiovisual em articulação com uma pedagogia cívica. Em ambos, destacam-se os trabalhos de revelação do reconhecimento e do respeito como ferramentas cognitivas no trato dos fenômenos da alteridade, isto é, da diferença na elaboração do jogo de linguagem na cultura visual existente” (TAVARES, 2010, p. 43). Nesse sentido, e “em resposta à crescente crítica a este monopólio indo-europeu da produção da imagem midiática que foi produzida a série Heróis de Todo Mundo do projeto A Cor da Cultura, veiculada pelo Canal Futura, com a obrigação de provocar uma “reparação” no imaginário dos afro-brasileiros, projetos nos quais participei como consultor, em 2006”. Você poderá ter acesso ao link desse projeto no menu Para saber mais...

Outros exemplos de (re)construção do imaginário social sobre a diversidade cultural podem ser encontrados em exposições fotográficas como a Mostra fotográfica que distribuiu grandes painéis pelas ruas de Salvador.

Ruas, avenidas e praças se transformaram em galerias, e a cidade ganhou ares de um imenso museu a céu aberto. Ao todo foram expostos 1.501 painéis, com imagens de pessoas consideradas negras, que integraram o projeto "Salvador Negroamor", do fotógrafo e publicitário Sérgio Guerra e do curador Alberto Pitta. As fotografias colocaram em cena pessoas comuns, crianças, velhos, jovens, comerciantes, mães e pais-de-santo, baianas de acarajé, entre outras personagens. Em dimensões e formas semelhantes a peças publicitárias, as fotos causavam estranhamento naqueles que não sabiam do que se tratava. Os painéis concorriam com modelos brancas seminuas, anunciando diferentes produtos nos outdoors. Alguns aguardavam a propaganda de produtos que viria depois, uma estratégia de marketing conhecida como teaser. A mostra foi pensada visando a construção de uma imagem positiva da população negra baiana e a geração de novas sensibilidades para as discussões sobre as relações raciais na cidade. Susana Dias, Ciência e Cultura. vol.59 n..2 São Paulo Apr./June 2007.

Você poderá ter acesso ao link desse projeto no menu Para saber mais...

O projeto é um manifesto sobre democracia e valorização da identidade e representatividade do povo negro no Brasil.

Inquirido sobre a sua raça, respondeu:
- A minha raça sou eu. João Passarinheiro.
Convidado a explicar-se, acrescentou:
- Minha raça sou eu mesmo. A pessoa é humanidade individual. Cada homem é uma raça, senhor polícia.
(Extrato das declarações do vendedor de pássaros)

Mia Couto, Cada homem é uma raça. Contos. 2013.



As imagens se inserem na vida cotidiana como documentos sobre o mundo visível, como nos diria Milton Guran (2012) a fotografia para explicitar é mais do que ilustrar, tem o intuito de aprofundar o sentido de um texto, exige a imersão em um dado tema. A imagem fotográfica é um recurso que amplia e enriquece as informações que o pesquisador pode dispor para reconstruir e interpretar determinada realidade social (MARTINS, 2013). Ainda, tem um importante potencial narrativo e na composição de textos visuais, pode ser considerada como uma nova forma de escritura na linguagem interpretativa (ACHUTTI, 2004). A fotografia é um dos componentes do funcionamento de uma sociedade visual e dependente da imagem, ela é a representação social e memória de fragmentos, “a fotografia tece uma história” (MARTINS, 2013, p.37). Porém, a construção de sentido enfrenta um desafio, deixar de ser um espaço em branco para ser algo que tenha significação, que possa ser entendido e assimilado, para então cumprir sua função de colocar-se para o juízo e crítica de outrem (ACHUTTI, 2004).

Preencher um espaço em branco é o que propões Santiago Jr (2012, p. 95) ao refletir sobre as “relações entre formações da cultura visual, raça e imaginário político e de como elas têm sido foco de importantes indagações sobre como hierarquias e classificações identificatórias estabelecem vínculos sociais nas sociedades”. Para o autor, as imagens “conferem espessura de sentido às realidades políticas, configurando, a partir de práticas visuais, um conjunto de condutas sociais e referências de valores que, nas/pelas imagens, permitem deslocamentos das práticas políticas. Existe, portanto, um vínculo entre cultura política e cultura visual que a história das imagens em múltiplas modalidades tem explorado. Paul Gilroy tem investido na crítica do papel das imagens na construção das práticas de poder que inscreveram negros enquanto comunidades e corpos racializados inseridos na própria dinâmica do poder imperial europeu e, mais tarde, norte-americano. Chamando atenção para a necessidade de pensar a alteridade negra a partir da constituição da cultura visual que elabora imagens dos negros, Gilroy aponta a transformação que a visualidade produz nas formas de solidariedade, identificação e pertencimento mais gerais e microscópicos”.



O grande crime do racismo é que anula, em nome da raça, o indivíduo.
Mia Couto