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Cubismo e guerra

Cubismo: múltiplas dimensões

Reginald Farrer: O vazio da guerra (1918) [1]

E então você consegue outra realidade das coisas. Acima de nossas cabeças choram nossos próprios projéteis, e dentro de pouco tempo uma nuvem de fumaça branca ou sombria irrompe em Lens, agora em um ponto, agora em outro. E você de repente sente uma real má intenção de ir, você mesmo, com ela. O Boche [2] continua respondendo de volta. Nossas próprias linhas de frente ondulam através do estuário abaixo da cidade, em um turvo fio: e frequentemente você irá ver ali esbranquiçados estouros da artilharia Boche. Estão sempre nisso, mas ou menos: Angres e Liévin foram reduzidas a esqueletos; e abaixo de seus pés há outra faixa do que chamam de o vazio da guerra – Petit Vimy, e Vimy logo adiante, até a colina.

O vazio da guerra é um nome esplêndido! Isso quer dizer aqueles lugares completamente maltratados e esmagados e aparentemente bastante sem vida e abandonados: ainda assim, com vida militar zumbindo neles incansavelmente, e baterias escondidas sempre trabalhando, procurando por alvos em Lens, ou sendo elas mesmas procuradas pelos alemães. Quanto estávamos na serra foi um dia bastante ocupado. Ao longo de nossas linhas os salsichas[3] olhavam do alto, e os aviões chegavam com estrondo: ouvíamos o seco poppety-pop-pop-popping dos Archies,[4] e o céu quebrava em pequenas e fofas bolas de fumaça, branca ou preta.

E todo o tempo os Boches estavam acrescentando grandes destroços às ruínas ao pé da colina, caçando as baterias. Tum, tum, tum e em Vimy e Petit Vimy eles continuavam a chegar, e imensas montanhas de fumaça fulva explodiam. Isso faz com que imaginemos como deveria ser estar em uma daquelas baterias escondidas, com nada a fazer, a não ser permanecer ali e continuar sendo caçado. E assim o jogo prossegue perpetuamente, com relaxamentos e intensificações, e estranhas convenções tácitas entre os inimigos, sobre a hora do almoço e por aí vai, e se você até certo ponto não se importa comigo, vou devolver a cortesia até certo ponto a você. Quando nos preparamos para voltar, pela face da charneca despedaçada pelostiros, nosso próprio fogo começa a se animar: e eu me regojizo com o amável grito dos projéteis que passam sobre nossas cabeças. Às vezes as armas suspiram um perfeito anel de fumaça, que flutua para o alto em belas, inquebráveis ondulações até que você o perca de vista.

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[1] Fonte: FARRER, Reginald. The void of war. In: _____.The void of war. Letters from three fronts. Boston; New York: Houghton Mifflin Company, 1918. p. 148-149. Trad. Daniela Kern.

[2] Gíria usada na I Guerra Mundial para designar os alemães. N. T.

[3] Outro dos apelidos dos alemães na Guerra. N. T.

[4] Termo britânico para armas anti-aéreas. N. T.