A influência da filosofia do sr. Bergson sobre minha geração é apenas comparável àquela exercida por Descartes sobre Malebranche ou por Hume sobre Kant. Se preferirmos uma imagem mais próxima, diria que os Dados imediatos da consciência e Matéria e memória desempenharam no limiar do século XX um papel análogo àquele que teve a Alemanha de Mme de Staël sobre os primeiros românticos franceses.
Do fundo de nossos liceus e de nossos colégios, onde empreendemos estudos assaz pobres, a novidade dessa doutrina viva, rica de sentido concreto e apresentada com graça nos fazia palpitar de emoção, ao sair de conferências desinteressantes. Mas foi apenas, uma vez emancipado do baccalauréat e em busca dos louros supremos – licence e agrégation – que nosso espírito mais exercitado, mais exigente também, experimenta todo o charme dessas delicadas e profundas análises psicológicas, todo o sabor de uma metafísica “positiva”, desprovida de intelectualismo.
No silêncio estudioso de nossos quartos de estudantes, enquanto nossas frontes se inclinavam sob a luz dourada da lamparina familiar, essa filosofia, interior como um poema e, se ouso dizê-lo, sinfônica, perturbava deliciosamente nossos espíritos, como o hálito da primavera que nos chegava do Luxembourg pelas janelas abertas.
Na idade em que as ideias penetram no espírito sob a forma do entusiasmo, essas noções dinâmicas de duração qualitativa, de contínuo heterogêneo, de estados de consciência múltiplos e móveis opostos àquelas de espaço homogêneo e quantitativo, de real fracionado, estático e privado de vida – forneciam-nos novos motivos de exaltação, e muito nobres. Pois atrás dessas palavras técnicas que a propósito enumero se erguem horizontes imensos, de esplêndidas paisagens de alma. Essa flor de inteligência, que Kant havia ressecado com seu sopro espesso, desabrochava de repente em nossos corações à palavra tímida, mas ardente de nosso mestre do Collège de France.
A filosofia de Bergson demanda, com efeito, ser entendida, comentada pela própria boca de seu autor. Ela adquire então seu pleno valor. Éramos uma meia dúzia de fieis a nos encontrar nessa pequena sala mal iluminada, quase um santuário. Bergson entrava rapidamente – diríamos que estava apressado – como um domador, um domador muito simples. Ele era muito pequeno, mas, por trás dessa pobre cadeira de madeira suja, parecia muito grande, com seu pescoço estendido e sua cabeça de pássaro projetada para a frente, como que atraída pelo ímã de nossas simpatias. Sentados em bancos desconfortáveis, bancos de crianças de coro, servindo-nos de nossos joelhos como escrivaninhas, nós escutávamos em um recolhimento religioso essa pequena voz agridoce que repercutia até o fundo de nossas vidas inquietas. Ah! Com que sede aspirávamos essa palavra eivada de poesia! Pois se a maior parte dos filósofos escrevia bem, muitos falavam mal; e nós, que navegávamos através das teorias apenas para atracar no porto da literatura altiva e grave, da literatura de ideias, munidos de uma copiosa bagagem de métodos – nós não podíamos permanecer indiferentes à expressão de um pensamento que se queria poético para ser verdadeiro.
Os olhos concentrados em sua visão interior, Bergson falava sem notas, sem papel algum, às vezes amassando um minúsculo lenço, às vezes unindo suas mãos e as levando adiante com o gesto de um banhista que quer se jogar nos cérebros. As palavras escapavam, admiravelmente associadas, fazendo se erguer sob suas metáforas elegantes e sutis turbilhões de pensamentos evocadores, eflúvios de sugestões. Sim, é preciso se ter deixado prender por essas aspirações regulares que tiram de vocês a alma do corpo, que livram o eu profundo de suas gangas e que o fazem surgir dos abismos da consciência.
Eis! A moda veio viciar o ar desses ágapes espirituais. O esnobismo invadiu a pobre sala magnífica. Atualmente aquele que na sexta-feira não chega uma boa meia hora antes da abertura do curso não pode se sentar nesses bancos de igreja de aldeia. Uma multidão elegante se apressa, se sufoca e o vai e vem contínuo das entradas e saídas, a batida de portas caçaram a boa acolhida de antigamente. Com dificuldade três ou quatro estudantes de pincenês, com becas limadas, largadas sobre corpos de criança, cabelos em bandós, as mãos sujas, arriscavam-se a nosso lado. Hoje é toda uma teoria de saias de seda, de desdenhosos binóculos, de chapéus de teatro e de perfumes blasfematórios. Vai-se ao curso do sr. Bergson como se apresenta a uma conferência no teatro Foemina não para assistir, mas para ser visto. Essa voga indiscreta não deixa de enervar o autor dos Dados imediatos da consciência. Quantas vezes, na intimidade, não reclamou ele dessa afluência de desocupados que o fazia lamentar o ensino esotérico dos gregos. “Entre os problemas que mais me preocupam, disse-nos muitas vezes, esse não é um dos menos obscuros: saber o que podem compreender de minha filosofia jovens burgueses com cérebro de passarinho”.
Ocorre com a doutrina bergsoniana o mesmo que com a dramaturgia de Wagner ou as polifonias de Pelleas. Não se saberia tirar nada de aproveitável de Tristan, nem experimentar nenhum prazer na música de Debussy sem uma longa iniciação e um conhecimento aprofundado dos processos da harmonia moderna. Matéria e memória supõe a familiaridade com Kant, com o idealismo alemão que Bergson combate e com as psicologias contemporâneas que ele desenvolve. Talvez os delicados mundanos que enfrentam uma longa viagem pela rive gauche e que desembarcam no Collège de France tivessem alguma dificuldade em nos resumir a tese do paralogismo psicofisiológico! [2]
Não impede que essa insistência em desafiar os perigos da rue des Écoles e da rue Saint-Jacques, essa afluência que lembra – com o perdão da aproximação – os mais belos dias da eloquência de Victor Cousin, essa pressa em utilizar a filosofia bergsoniana e em empregar como confirmação de quantidade de atitudes intelectuais contemporâneas – seja um sintoma muito ruidoso da oportunidade de uma tal doutrina. Ela corresponde evidentemente a uma mentalidade geral e, apresentada a seu tempo, torna-se o refúgio de uma multiplicidade de espíritos. Cada um dela toma o que lhe agrada: alguns dela se servem para rebaixar as pretensões exageradas dos matemáticos de visão curta; outros – e muito equivocadamente [3] – pretendem extrair da filosofia de Bergson um novo método de apologética; outros – esses últimos com razão – aproveitam-se dela para se lançar a uma análise mais minuciosa dos fatos da consciência.[4]
De minha parte fui, acredito, o primeiro a assinalar a estreita relação entre a psicologia bergsoniana e a estética simbolista. Quando estudamos de perto os manifestos do simbolismo e as teorias expostas pelos próprios autores desse revival lírico na quantidade de pequenas revistas, surpreendemo-nos com a fragilidade de alguns de seus argumentos e com a contradição muito frequente entre as doutrinas e as obras. Nada como o fato de ter considerado Moréas como o chefe do Simbolismo prova melhor a espécie de inconsciência na qual viveram os promotores do movimento em questão e sua impossibilidade de calcular a dimensão estética de sua obra. É assim em todas as épocas literárias, e não penso que no começo do romantismo os poetas de 1820 tenham visto claramente a reforma que preparavam. Antes sentimos uma corrente que nos arrasta, do que a analisamos; é apenas após alguns anos que se chega à plena lucidez de um esforço coletivo, que se toma uma clara consciência do caminho percorrido.
A jovem geração atual, menos engajada na luta, mais imparcial, portanto, e que traz ao estudo das obras mais antigas métodos críticos mais experimentados, não contribuiu pouco para “explicitar” a estética contida nas obras de um Régnier, Griffin, de um Verhaeren, etc., e para liberar, à luz das realidades contemporâneas, o fundamento objetivo encerrado em qualquer manifestação intelectual.
Os gestos mais essenciais da atitude lírica nomeada Simbolismo resumem com uma tal insistência a fisionomia do pensamento bergsoniano, que definir esta é falar sobre aqueles. Será bastante interessante mostrar, àqueles que consideram o simbolismo uma mentalidade anarquista, sem coesão e privada de raízes, que a substância dessa doutrina lírica está encerrada nos Dados imediatos da consciência, e que, nesses dois planos paralelos, plano estético e plano especulativo, nós reencontramos a mesma orientação intelectual.
Para dizer a verdade, o anúncio de tal paralelismo nada tem de surpreendente. Insisti bastante em meus estudos precedentes sobre essa “temperatura moral” da qual fala Taine, que se constata na mesma época nas diferentes ordens da atividade mental e que é o “estado geral do espírito e dos meios circundantes”, para que essa lei de determinismo psicológico não seja mais uma vez constatada aqui. A uma tendência poética dada corresponde ao mesmo tempo uma tendência filosófica. Às vezes essa precede, às vezes aquela toma a dianteira, mas sempre a direção observada em uma época, em um ramo da atividade espiritual se verifica também em todos os outros.
Seria fácil acumular os exemplos. O sr. Lanson [5] mostrou muitíssimo bem a intensa correlação que existe entre a psicologia de um herói de Corneille e a pura doutrina cartesiana. Entre o Discurso do Método e a Arte Poética de Boileau há apenas uma diferença de apresentação. Mais próximo de nós, esse encontro da poesia e da filosofia pode facilmente ser notado. Ao despertar do positivismo dos Comte, dos Littré correspondeu na literatura o desabrochar do naturalismo e do parnaso. A crítica de Taine, a poesia de Leconte de Lisle, o romance de Flaubert, a estética de Courbet são fortalecidos por uma atmosfera comum.
Mais próximo ainda e pelo objeto que nos ocupa, historicamente a filosofia de Bergson, após aquela de Ravaisson, reage contra o mecanismo de Spencer, pelas mesmas causas que levaram os simbolistas a se desembaraçar da forma parnasiana. Teoricamente, isto é, por uma análise sumária da doutrina bergsoniana e das preocupações estéticas dos simbolistas, tentaremos trazer à luz a similitude dos fins especulativos e líricos no começo do século XX.
A filosofia de Bergson [6] é, antes de mais nada, uma crítica do mecanismo de Spencer, das teses associacionistas, deterministas e intelectualistas – perdão por esses ismos ou istas necessários.
O sistema de Spencer que pretende reduzir à unidade os fatos cosmológicos, biológicos e psicológicos, gozou de grande voga. Nada conforta tanto nosso espírito geométrico, ávido de certezas, do que uma doutrina simplificadora que procure explicar, segundo o mesmo princípio, os múltiplos enigmas do ser. O saber totalmente unificado, eis o que atrai os esforços dos monistas.
Mas essa atitude intelectualista não falseia o real mais complexo, e os fatos cosmológicos, biológicos e psicológicos não ressaltam cada um princípios irreconciliáveis entre si e irredutíveis?
Maine de Biran, Ravaisson pensaram assim, e o sr. Bergson que, neste caso, opõe ao espírito geométrico o espírito de fineza, bem demonstrou, em nome de um método mais minucioso (distinção do tempo espacial e do tempo psicológico), [7] a impossibilidade de reduzir um processo vital ao funcionamento de uma máquina. Ao princípio da evolução spenceriana, isto é, da persistência da força ou da permanência da identidade, Bergson opõe a noção de mudança real que exclui a causalidade física em que o mesmo produz o mesmo. Daí o título de seu último volume: a Evolução criadora.
O associacionismo dá lugar a uma crítica semelhante, que tende a reduzir a inteligência a uma espécie de atomismo psicológico. Nessa teoria se considera o espírito como cortado em cubos que penetram uns nos outros e formam, assim, múltiplas combinações, muito parecidos com o desenho de um mosaico erudito.
Bem outro parecia, com razão, à Bergson, o jogo da consciência. Uma análise atenta de nossos estados psicológicos mostra que vivemos na durée, isto é, em uma criação incessante de nós mesmos. O espírito não é formado pela adição de elementos conscientes: ele está vivo e poderia ser comparado apenas a “uma continuidade de fluxo”. “É ilusório, desde então, procurar construir a alma de fora, pela justaposição de elementos que não podem ser outra coisa além de estados fixos, automatizados”. [8] A via psicológica não é uma poeira de átomos, mas, diz Bergson, “uma sucessão de estados em que cada um anuncia o que se segue e contém o que precede... Na realidade, nenhum deles começa ou termina, mas todos se prolongam uns nos outros... Não há dois momentos idênticos no mesmo ser consciente... Uma consciência que tivesse dois momentos idênticos seria uma consciência sem memória... Seria preciso, então, evocar a imagem de um espectro com mil nuances, com degradações insensíveis que fazem com que se passe de uma nuance à outra. Uma corrente de sentimento que atravessaria o espectro, tingindo-se alternadamente de cada uma de suas nuances, passaria por mudanças graduais, cada uma das quais anunciaria a seguinte e resumiria em si aquelas que a precedem”. O desenvolvimento de nosso eu que é duração pura “exclui qualquer ideia de justaposição, de exterioridade recíproca de extensão”.
O determinismo, intimamente ligado às teorias mecânicas da matéria, supõe o universo regido por leis necessárias e imutáveis e a vida comandada por um encadeamento rigoroso de fenômenos. Ele concebe a consciência, bem como o mundo, como um acúmulo de átomos dotados de movimentos. Ora, todo um grupo de sábios e de filósofos se ergueu, há alguns anos, para protestar contra a “racionalização progressiva do real”. Sem entrar em detalhe basta lembrar o livro do sr. Boutroux, La contingence des lois de la Nature; os trabalhos dos srs. Poincaré, Milhaud, Le Roy, Wilbois, etc. O sr. Bergson deu os últimos golpes no materialismo mostrando que, se há, à rigor, paralelismo entre um estado cerebral e um estado psicológico, não se pode, sob qualquer pretexto, concluir pela correspondência entre essas duas espécies de fenômenos, de natureza perfeitamente diferente. Supor, com efeito, que a posição e a velocidade de cada átomo sejam conhecidos, isso não arrasta de modo algum nossa vida psicológica à mesma fatalidade.
É que a vida vivida pela consciência não é a mesma do que aquela que desliza sobre os átomos sem ali nada mudar. Há uma diferença fundamental entre o mundo externo e o interno, entre a durée verdadeira e a aparente. Uma é qualidade pura, outra é quantidade. Os estados psicológicos procedem daquela; eles não se justapõem, mas se compenetram, fundem-se juntos em um perpétuo progresso dinâmico.
Os partidários do determinismo triunfam apenas ao cortar arbitrariamente os fatos de consciência, ao abstraí-los uns dos outros, isto é, ao projetá-los no espaço, portanto, ao desvirtuá-los, uma vez que fluem na pura durée. Ora, Bergson mostrou que uma ciência, decidida a não falsear a realidade interior da consciência, deve conceber cada estado psicológico como representando a alma inteira, pois todo o conteúdo desta se reflete nele. Dizer que a alma se determina sob a influência de um desses sentimentos é reconhecer que ela se determina a si mesma, uma vez que cada um de nossos atos não é uma porção nossa, mas nossa personalidade inteira.
Ei-nos aqui longe, ao que parece, do simbolismo. No entanto, a partir dessas preliminares, já é possível ver quais princípios estéticos irão se destacar.
Toda doutrina filosófica contém, com efeito, em suas conclusões, uma opinião sobre o belo. O materialismo encerra a arte em certas fórmulas em correlação perfeita com todo o seu sistema. O idealismo, por sua vez, irá se referir, em seus julgamentos estéticos, ao conjunto de sua doutrina. Se da filosofia bergsoniana destacamos as ideias próprias a edificar, sobre os mesmos princípios, uma ciência do belo – como fizemos, por exemplo, para a filosofia de Descartes [9] – vemos se explicitar as ideias estéticas que os simbolistas ilustram.
Pois não nos enganemos, a reação espiritualista ou idealista que se operou em torno de 1885 contra o parnaso, corresponde, em um plano paralelo, à reação da filosofia de Bergson contra o mecanicismo, o associacionismo e o determinismo sobre os quais acabamos de falar.
O que é, em suma, a atitude parnasiana, a não ser, na ordem estética, uma espécie de positivismo naturalista? Os partidários dessa estética se ativeram a descrições bem feitas, a escrupulosas notações exteriores. Vivendo, se podemos dizer assim, à superfície de seu ser, eles menos penetraram no interior de seu eu contínuo do que costuraram, de um extremo a outro, análises grosseiras de estados de alma. Semelhantes aos associacionistas, eles consideraram a arte como um conjunto de graciosos cubos delicadamente pintados, cuja reunião é suficiente para criar uma obra de arte. Com os átomos de beleza, eles queriam reconstituir uma beleza viva. Ora, não se passa do mecanicismo à vida; por meio de semelhante método chega-se apenas à uma espécie de automatismo da arte.
A mesma crítica se dirige aos pintores ditos acadêmicos que, inspirando-se nos princípios de Pestalozzi, vão do simples ao composto e desenham os contornos das formas vivas, seja circunscrevendo em seu modelo (que se supõe plano) uma figura retilínea imaginária, sobre a qual eles garantem pontos de referência, seja substituindo provisoriamente as curvas do modelo por curvas geométricas às quais retornam em seguida para fazer os retoques necessários. [10]
Esse método, diz muito bem Ravaisson, pode ensinar apenas a desenhar figuras geométricas, e então igualmente a se servir de instrumentos apropriados. Jamais, por esse meio, capturamos o movimento próprio da forma viva, a expressão da pessoa. “Falando do geométrico podemos ir tão longe quanto iríamos no sentido da complicação sem nos aproximarmos jamais das curvas pelas quais se exprime a vida”. Não se pode passar do mecânico ao vivo pela via da composição. [11]
Ao contrário da concepção atomística dos parnasianos, poetas ou pintores, os simbolistas compreenderam, como o ensina Bergson, que se o mecanismo é impotente para explicar a vida, em revanche a vida explica todo o resto. Coloque-se no centro da consciência, de lá você tem uma visão de conjunto de todos os fenômenos do Universo. Eles viram que a arte não consiste em
Os simbolistas colocaram em prática, sem o saber, esses preceitos de alta psicologia. Ao invés de descrever, de analisar, eles se colocaram no próprio centro da vida, isto é, no interior da consciência. A poesia simbolista, assim como a filosofia de Bergson e como a tendência, de resto geral das estéticas contemporâneas, é um encaminhamento à interioridade, um esforço para reduzir tudo aos estados psicológicos e à qualidade, não considerando os fatos de consciência que se sucedem como quantidades dotadas de medida e de grandeza, mas como progresso.
Quando jogamos uma pedra em um lago, percebemos apenas ondulações e círculos; a pedra desapareceu; nada mais resta de perceptível a não ser os frissons da superfície líquida. Do mesmo modo, quando um objeto, uma paisagem, uma parcela da natureza penetra em nossa consciência, vemos menos essa porção do mundo, essa paisagem, esse objeto, que as modulações de nossa consciência e as vibrações de nosso eu por ocasião desses espetáculos. São essas vibrações e ondulações internas que os poetas simbolistas exprimem, por ocasião das paisagens contempladas, enquanto os parnasianos ou naturalistas descrevem, antes de tudo, os espetáculos exteriores, as formas, e não estados de alma.
Que dizer, a não ser que, através das críticas de detalhe trazidas por Bergson e pelos simbolistas contra o que poderíamos chamar de atitude parnasiana na filosofia ou na poesia, é preciso distinguir uma reação mais geral contra o antigo racionalismo ou intelectualismo. Aquele pretende tudo reduzir à combinações de leis impessoais, cercar o mundo e a vida em uma rede de malhas lógicas e de ideias abstratas.
Ora, a filosofia de Bergson é um esforço para romper o corpete de ferro do conceito puro e para desembaraçar dessa armadura rígida o próprio corpo do Real movente. Quanto mais uma ideia é geral, mais ela é abstrata e vazia, declara Bergson em sua célebre Notice sobre Ravaisson. De abstração em abstração, de generalidade em generalidade, chegamos ao puro nada.
De fato nosso espírito simplificador prefere, para as necessidades da ação, apalpar uma coleção de minerais à passear nas cavernas de uma mina que contém todas as riquezas. A inteligência é, até certo ponto, como o resíduo da vida e a ideia, um empobrecimento do real. Mas a ação nos chama, as necessidades da sociedade estão aí. Mais do que tomar em cada um de nossos atos de consciência a nossa vida interior, preferimos recorrer a ideias paradas, palpáveis, catalogadas em nosso espírito. Nosso pensamento é como Midas que tudo transformava em ouro: ele solidifica o que quer que toque.
Dito de outro modo, a vida é mobilidade, escoamento, sentimento de um crescimento gradual, sinfônico. A Vida é o contínuo. Mas diante do vivido se ergue o pensado. O Pensamento não tem o mesmo ritmo que a Vida, ele não pode segui-la em todos os seus desvios, seus ganchos, seus meandros. Ele contrai então, em uma só, as pulsações da Vida. O Pensamento é descontínuo. O problema para Bergson, como para os simbolistas, consiste em reestabelecer a continuidade da Vida, rompida pela abstração dos intelectualistas filósofos, racionalistas ou poetas parnasianos. [...].
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[1] Fonte: VISAN, Tancrède. La philosophie de M. Bergson et le lyrisme contemporain. Vers et Prose, Tome XXI, 6ème année, p. 125-140, Avril-May-Juin 1910. Trad. Daniela Kern.
[2] Essa tese é a pedra angular do edifício bergsoniano; ela é de uma compreensão muito sutil e demanda um conhecimento aprofundado de Matéria e memória. O sr. Bergson fez dela o tema de uma importante comunicação no Congrès International de Philosophie em Genebra, em 1904. N. A.
[3] Por exemplo o sr. Le Roy, excelente psicólogo e teólogo detestável, pelo fato de confundir métodos muito divergentes, aquele dos fenômenos da consciência e o método da autoridade ou da tradição que, em religião, permanece essencial, tendo-se em conta o caráter dogmático da Revelação. N. A.
[4] Entre esses citamos o sr. Emile Lubac, Esquisse d’um Système de Psychologie rationnelle. Alcan, 1904. O sr. H. Luquet, Idées générales de Psychologie. Alcan, 1906, e o sr. A. Childe com seus dois volumes, L’idée de Rythme e o Mobilisme moderne. N. A.
[5] Cf. Hommes et Livres e Revue de Métaphysique et de Morale, julho de 1896. N. A.
[6] Resta bem entendido que, me colocando sob o único ponto de vista da história da mentalidade lírica contemporânea, não resumi toda a filosofia do sr. Bergson, mas aflorei somente nessa filosofia as teses mais capazes de invalidar a estética simbolista. Descendo ao detalhe essa filosofia é muito mais complexa e o sr. Bergson perdoará a um de seus antigos alunos o haver deixado inexploradas várias avenidas curiosas de seu sistema para tomar um atalho e, por caminhos transversais, chegar imediatamente ao ponto de encontro de dois belos caminhos nos quais sopra um mesmo ar cativante. N. A.
[7] Toda a filosofia de Bergson repousa sobre uma análise da ideia de tempo. “O conceito da durée pura, heterogênea, cujos momentos se interpenetram, é a base, a ideia genial e nova que Bergson introduziu na filosofia”. G. Batault, Mercure de France, 16 mars 1908. N. A.
[8] Cf. Georges Dwelshauvers. Raison et intuition: étude sur la philosophie de M. Bergson. (Belgique artistique et littéraire, novembre, décembre 1905 et avril 1906). N. A.
[9] Cf. Krantz, Essai sur l’Esthétique de Descartes, Paris, 1882. N. A.
[10] Cf. Bergson, Notice sur la vie et les oeuvres de M. Félix Ravaisson. (Séances et Travaux de l’Académie des Sciences morales et politiques, juin 1904). N. A.
[11] Citemos como comentário essa admirável página de Bergson extraída de sua notícia sobre Ravaisson: “Há, no Tratado de Pintura de Leonardo da Vinci, uma página que o sr. Ravaisson gostava de citar. É aquela onde se diz que o ser vivo se caracteriza pela linha ondulada ou serpentina, que cada ser tem sua maneira própria de serpentear, e que o objetivo da arte é o de tornar esse serpenteamento individual. ‘O segredo da arte de desenhar é descobrir em cada objeto a maneira particular pela qual se dirige através de toda a sua extensão, tal como uma onda central que se desdobra em ondas superficiais, uma certa linha sinuosa que é como seu eixo gerador’ (Ravaisson, artigo Dessin do Dictionnaire pédagogique). Essa linha pode, de resto, não ser nenhuma das linhas visíveis da figura. Ela não está mais aqui do que lá, mas ela dá a chave de tudo. Ela é menos percebida pelo olho do que pensada pelo espírito. ‘A pintura, dizia Leonardo da Vinci, é coisa mental’. E ele acrescentava que era a alma que havia feito o corpo à sua imagem... Paremos diante do retrato da Monalisa ou mesmo diante daquele de Lucrezia Crivelli: parece-nos que as linhas visíveis da figuras remontam a um centro virtual atrás da tela, onde se descobriria, de um só golpe, apanhado em uma só palavra, o segredo que jamais teríamos terminado de ler frase a frase na enigmática fisionomia: é ali que o pintor se colocou. É ao desenvolver uma visão mental simples, concentrada nesse ponto, que ele reencontrou, traço a traço, o modelo que ele tinha sob os olhos, reproduzindo à sua maneira o esforço gerador da natureza”. N. A.