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Cooperar na EAD: possível ou necessário?

Silvana Corbellini

Investigar os possíveis e o necessário em ambientes virtuais de aprendizagem pode auxiliar o entendimento das relações que ocorrem nesses espaços e, também, é uma forma de refletirmos sobre a cooperação, atendo-nos aos diversos possíveis e ao necessário do grupo na constituição destes espaços.

Piaget (1986) aponta que os possíveis correspondem às aberturas e engendram diferenciações, e as necessidades são responsáveis pelo fechamento e pelas integrações, sendo que a gênese das operações parte da combinação desses dois princípios. Assim, o possível é responsável por diversos modos de procedimentos para conseguir-se alcançar determinados objetivos, e o necessário é o que não pode ser de outra forma, pois senão, acarretaria contradições no sistema.

Há, conforme demonstra Piaget, um desenvolvimento do possível e do necessário. Os possíveis analógicos, primeiramente, são pobres em variações e presos a constatações. As necessidades se constituem, inicialmente, como pseudonecessidades, sendo incompletas. Ambos correspondem, aqui, ao nível pré-operatório (PIAGET, 1985).

Seguindo para o nível operatório concreto, os coopossíveis concretos e as co-necessidades se constituem ainda de forma limitada, mas já existindo composições de possíveis ou necessidades. Nas operações formais, surgem os coopossíveis quaisquer em compreensão e em extensão (o ilimitado), assim como as co-necessidades tornam-se ilimitadas e intervêm em quaisquer deduções formais.

Com esse desenvolvimento, o real também se torna mais objetivo. A partir da inserção de objetos em novas relações, amplia-se a capacidade de analisá-los e isso permite que a realidade seja melhor compreendida.

Neste trabalho, selecionou-se um recorte de uma pesquisa maior que vem sendo realizada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul a partir de um processo avaliativo de um curso de Pedagogia a Distância (PEAD). Trata-se de um estudo realizado com quatro alunas de um dos polos do curso. Os ambientes virtuais de aprendizagem que foram utilizados foram o RODDA e o Pbworks. Estes casos já haviam sido categorizados através do software NVivo (ARAGON e MENEZES, 2012) e foram selecionados aqui de forma aleatória, sendo proposta uma nova categoria em estudo: a cooperação. Buscou-se mapear as falas das alunas em seus portfólios, com o registro do último ano do curso, em que pudessem ser identificados comportamentos, trocas, diálogos, ajudas que demonstrassem indícios de cooperação entre os integrantes da turma. Nesses registros, elas relataram os seus percursos, suas vivências profissionais, pessoais e estudantis.

Essas falas foram destacadas, e procurou-se analisar os processos de cada uma, assim como o processo do grupo no percurso do curso. Ao refletirmos sobre esses casos, salientamos primeiramente que Piaget (1973) aponta que a cooperação implica a relação com os outros – cooperar requer a descentração, sair de si mesmo e caminhar ao encontro do outro, confrontando suas ideias, valores e ajustando-se mutuamente.

Duas das alunas observadas apresentaram uma quase inexistência de trocas com outros integrantes; entretanto, a Aluna 2 e a Aluna 3 relataram percursos com muitas trocas, socializações com colegas e professores, bem como fizeram referências a crescimentos pessoais.

Na medida em que cada sujeito encontra-se ligado às suas próprias demandas e enxerga o outro como uma possibilidade de satisfazê-las, não há troca, reciprocidade – não há como cooperar. Piaget (1973) afirma que, para que ocorra cooperação, é necessário a descentração; um sistema de normas em que cada um seja responsável pela sua manutenção, com valores equilibrados, sem opressão. Com isso, pode ocorrer a troca de ideias e ser mantido o respeito mútuo. Há a possibilidade de construção porque se pode acrescentar, melhorar, e os conceitos podem ser revistos e substituídos, abrindo-se para novos possíveis.

No cooperar, as ações dos outros são integradas e se constituem em um único sistema operatório. Para tanto, é preciso equilibrar essas trocas – ou, como diz Piaget: “Cooperar na ação é operar em comum, isto é, ajustar por meio de novas operações (qualitativas ou métricas) de correspondência, reciprocidade ou complementaridade, as ações executadas por cada um dos parceiros” (1973, p. 105).

Piaget refere que a finalidade última da aprendizagem seria conseguir antecipar o possível ao real, ficando este como um possível que se concretizou, isto é, o possível é posto como realidade primeira do conhecimento. Ele afirma ainda:

[...] o que nos interessa nos problemas do possível não é seu aspecto dedutível, o que nos levaria simplesmente às questões de generalização já estudadas, mas sim o processo de formação das possibilidades, ou seja, a ‘abertura’ para os novos possíveis que o sujeito descobrirá por si mesmo [...]. É esse de fato o problema central da epistemologia construtivista: o da construção ou criação do que existia apenas em estado virtual do possível e que o sujeito deverá atualizar (PIAGET apud LEITE, 1992: 52).

Na criança, observa-se uma indiferenciação entre o real, o possível e o necessário. A abertura para novos possíveis engendra diferenciações que dão lugar a novas integrações, sendo que a necessidade encontra-se ligada a estas. Assim, há três momentos que constituem esse desenvolvimento: a indiferenciação, a diferenciação e a integração. Conforme Piaget, “o necessário nos parece então constituir a medida das integrações, do mesmo modo que o possível exprime a riqueza das diferenciações, daí a correlação das duas evoluções”, e ele sintetiza dizendo que “as estruturas operatórias aparecem, portanto, como a síntese do possível e do necessário” (1986, p. 08).

Para o autor:

[...] O possível não é algo observável, mas o produto de uma construção do sujeito, em interação com as propriedades do objeto, mas inserindo-as em interpretações devidas às atividades essas que determinam, simultaneamente, a abertura dos possíveis cada vez mais numerosos, cujas interpretações são cada vez mais ricas (PIAGET, 1985, p. 07).

O ambiente virtual de aprendizagem, com as suas várias possibilidades, permitiu que duas das alunas estudadas constituíssem relações cooperativas, de acordo com seus possíveis; e constituindo como um limite, o necessário do grupo. Consideramos essencial conhecer as possibilidades e os limites das práticas nesses ambientes para que eles permaneçam abertos a novos possíveis, servindo de ponto de partida para novas construções, pois toda composição necessária sugere novos possíveis.

Outras referências:

ARAGON, R.; MENEZES, C. S. Inovações em EAD: Modelo pedagógico e reconstruções conceituais em uma formação de professores. In: 18 Workshop de Informática na Escola, 2012, Rio de Janeiro. Anais do Workshop de Informática na Escola, 2012.
LEITE, B. L. Piaget e a Escola de Genebra. São Paulo: Cortez, 1992. PIAGET, J. Estudos sociológicos. São Paulo: Companhia Editora Forense, 1973.

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